Pessoas do sexo feminino correspondem a mais de 50% entre todas as categorias de trabalho, mas negros são maioria apenas entre servidores e estagiários
Divulgado na segunda-feira, 30, o I Censo da Defensoria Pública do Estado da Bahia teve a participação de 1064 pessoas e revelou o perfil global dos trabalhadores da Instituição: 56,8% da equipe é formada por mulheres e 45,6% das pessoas são negras. A análise minuciosa dos dados revela ainda que as defensoras públicas correspondem a 60,2% da classe, as servidoras e estagiárias são, respectivamente, 56,1% e 62,3% entre seus pares.
Considerando ambos os sexos, no que tange à raça ou cor, 25% dos defensores públicos são negros, em contraste com 50,4% entre servidores e 54,3% entre estagiários. Brancos correspondem a maioria entre defensores públicos (62,7%) e a minoria entre servidores (36,2%) e também entre estagiários (32,9%).
O perfil global da Defensoria é formado ainda por pessoas com até 30 anos (36,6%), sendo esta faixa etária correspondente a 8,2% dos defensores públicos, 31,2% entre servidores e 92,3% entre estagiários. Em geral, o estado civil dessas pessoas é solteiro (55,4%), sem filhos (60,6%), católicos (44%), cuja composição familiar inclui pais conhecidos e presentes (82,9%) e que cursaram o Ensino Médio em escola pública estadual (47,6%).
Em geral, 63,9% das pessoas contribuem economicamente com algum membro da família próxima. Entre defensores públicos, 56,6% auxiliam a família, mas o percentual é maior entre servidores (66%) e estagiários (66,8%). Detalhando os dados sobre a formação escolar, cursaram o Ensino Médio em escola pública estadual 14,8% dos defensores públicos, 59,5% dos servidores e 54,3% entre estagiários.
Coletados entre 16 de outubro e 02 de novembro, os dados foram fornecidos por defensores (as) públicos (as), servidores (as) e estagiários (as). A investigação teve duas bases de dados: as respostas a 41 perguntas realizadas via formulário disponibilizado eletronicamente pela Coordenação de Modernização e Informática da Defensoria da Bahia e também por meio de informações relativas aos defensores públicos contidas no sistema interno da carreira defensorial (Sicad).
A apresentação do I Censo da DPE/BA nesta segunda-feira foi realizada pelo defensor público Lucas Marques e pelas defensoras públicas Analeide Leite e Vanessa Nunes Lopes, esta última a coordenadora-adjunta do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da Defensoria da Bahia. Já o conteúdo da pesquisa envolveu diversos setores da Instituição: a Defensoria Pública Especializada de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial, a Assessoria de Comunicação Social e a Assessoria de Pesquisa.
Orientador do trabalho, o defensor-geral Rafson Ximenes comentou sobre os reflexos, ainda nos dias atuais, da formação histórica da sociedade brasileira e abordou a importância de considerar uma perspectiva transformadora dentro da Instituição. Afirmou também ser impossível promover orientação jurídica, os direitos humanos e a defesa das pessoas sem enfrentar as diversas formas de desigualdade social.
“Vivemos em um país marcado estruturalmente pelo patriarcado e pela escravidão. É inevitável que esses elementos constitutivos da forma de pensar da sociedade afetem, em níveis diferentes, todos os seus componentes. A perspectiva transformadora necessita fazer o enfrentamento externamente, mas também internamente. Não vejo em nenhuma outra instituição o potencial e a coragem para uma autoanálise tão profunda. Para iniciar um projeto como esse, é imprescindível uma vontade sincera, inequívoca, de construção de um mundo melhor, é necessário vestir de corpo e alma a roupa de expressão e instrumento do regime democrático. Não basta dizer que é contra o racismo, é preciso ser antirracista e a Defensoria Pública da Bahia sabe disso”, afirmou o defensor-geral.
Cor e raça na Defensoria
Os dados coletados pelo I Censo da Defensoria Pública da Bahia também abrangeram questões de cor e raça, além da percepção da equipe sobre o perfil das pessoas dentro da própria instituição. Entre defensoras e defensores públicos, 67,2% são pessoas autodeclaradas brancas, 25% são negras, 7% são amarelas e 0,8% são indígenas. Entre os servidoras e servidores, negros correspondem a 50,4%, brancos são 36,2%, amarelos chegam a 11,8% e 1,6% são indígenas. Entre os estagiárias e estagiários, 54,3% são negros, 32,9% brancos, 10,1% amarelos e 2,8% indígenas.
De um modo geral, 73,4% das pessoas negras não veem, ou veem em proporção inferior, pessoas da sua raça ou cor ocupando posições de poder na Defensoria Pública da Bahia. Quando observado todo o Sistema de Justiça, entre as pessoas negras tal percepção cresce e chega a 81,9%.
Também considerando as pessoas negras, 49% já se sentiram desconfortáveis em algum ambiente por causa da sua cor e 15,6% já deixaram de entrar em um ambiente pelo motivo citado. Já 53% foram considerados suspeitos em algum momento por conta da raça ou cor e este mesmo fator, para 27,4% das pessoas negras, já as prejudicou em processo seletivo de emprego.
Entre todas as pessoas que integram o quadro da Defensoria da Bahia, 99,5% afirmam que existe racismo no Brasil, mas 93,9% não se consideram racistas. A maioria é favorável ao sistema de cotas para a população negra (89,9%) e indígena (89,7%). Para 85,5% das pessoas, o racismo é decorrência da estrutura social, de modo que se manifesta mesmo quando não há intenção, e 29,3% acreditam que brancos podem ser vítimas de racismo no Brasil.
Coordenadora do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial, a defensora pública Vanessa Nunes Lopes destacou que trata-se de um dever de cada Instituição que presta o serviço público promover a reflexão interna a respeito de quem são e como vivem aqueles que se dedicam à realização do serviço. Tal reflexão viabiliza a identificação de ideias dominantes, problemas de legitimação e construção de caminhos para ampliação do fator democrático na composição do corpo funcional.
“Quando pensamos na realidade do Brasil, país que adotou, como política oficial, a negação das especificidades raciais de sua população até poucas décadas, tentando apagar a construção de identidades e manipulando a ideia de igualdade para silenciar as pautas originadas das diferenças, percebemos que realizar um Censo é também abrir espaço para a reflexão íntima de cada pessoa que compõe a instituição acerca de seu próprio estar no mundo”, afirmou a coordenadora do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da DPE/BA.
Vanessa Nunes Lopes destacou ainda a importância da realização do I Censo da Defensoria da Bahia para a construção de uma instituição mais acessível à população e mais apta a lidar com as diferenças.
“A gente entende que este é um marco muito importante no desenho de políticas de acesso à Justiça que iremos construir daqui para a frente. O Grupo de Igualdade Racial está bastante satisfeito com esse trabalho, acreditamos na instrumentalização desse Censo para produzir estratégias de igualdade, de construção de outras possibilidades para nós, não apenas enquanto pessoas negras, mas enquanto Defensoria Pública”, finalizou a defensora pública.
Por Tunísia Cores – DRT/BA 5496