Luiz Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) a enfrentar a pandemia do novo coronavírus, afirmou nesta terça-feira (4) que não havia interesse por parte do governo federal de fazer uma campanha oficial de orientação sobre a doença.
“Aquelas entrevistas [diárias] só existiam porque não havia o normal quando se tem uma doença infecciosa: você ter uma campanha institucional, como foi [feito], por exemplo, com a Aids – havia uma campanha em que se falava como pega e orientava as pessoas a usarem preservativos”, disse Mandetta, em depoimento na CPI da Pandemia.
“Não havia como fazer uma campanha [sobre Covid-19], não queriam fazer uma campanha oficial. Então, havia necessidade de manter a questão das informações”, completou.
O ministro relatou ainda que foram feitos pedidos para que os comunicados emitidos pela pasta incluíssem, também, dados positivos como o número de curados e não apenas os números de casos e mortes – ele não detalhou quem foram responsáveis por esses pedidos.
“Mas, realmente, havia um pedido: ‘coloque o número, por que não coloca dos curados, está colocando só número [negativo]’. Passamos a colocar, se é uma informação, colocamos informação positiva. Mas não havia essa iniciativa de comunicação”, completou.
O ex-ministro disse acreditar que o presidente Bolsonaro foi orientado de forma paralela, ou seja, por pessoas de fora do Ministério da Saúde, em questões relacionadas com o combate à pandemia, incluindo a recomendação de uso da hidroxicloroquina.
“Eu testemunhei várias vezes reunião de ministro onde o filho do presidente, que é vereador no Rio de Janeiro, estava sentado atrás tomando notas. Eles tinham constantemente reuniões com grupos dentro da presidência”, declarou Mandetta, se referindo a Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Ele relatou ter participado de uma reunião com outros membros do governo em que foi apresentado, por exemplo, um rascunho de decreto presidencial cujo objetivo seria alterar a bula da cloroquina para recomendar o uso do medicamento em pacientes com Covid-19 – apesar de não haver evidências científicas de sua eficácia.
“O ministro da Saúde é convocado pelo presidente para conversar, é chamado para prestar suas explicações. Estive dentro do Planalto quando fui informado que era para subir para o 3º andar porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina – que nunca eu havia conhecido”, afirmou.
“Quer dizer, ele [presidente] tinha um assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrando de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] Anvisa, colocando na bula a indicação para coronavírus”, continuou.
Mandetta afirmou que a ideia foi barrada pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, que também participou do encontro – e que será ouvido pela CPI da pandemia na quinta-feira (6).
“O ministro Jorge Ramos [então ministro-chefe da Secretaria de Governo] falou que era só uma sugestão. Mas era uma sugestão de alguém. Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo no formato de decreto.”
Dessa forma, Mandetta disse aos senadores imaginar que o presidente construiu, por fora do Ministério, “alguns aconselhamentos que o levaram para essas tomadas de decisão”. Ele ressaltou, porém, não saberia nomear quem seriam essas pessoas ouvidas por Bolsonaro.
Murillo Ferrari, da CNN, em São Paulo; Bia Gurgel, da CNN, em Brasília