Alguns estudos indicam que a infecção por coronavírus não gera imunidade duradoura, enquanto outros falam o contrário
Depois de quatro meses em isolamento social como forma de evitar a disseminação do novo coronavírus, muitas pessoas passaram a questionar quando a vida vai voltar ao normal. Porém, antes de se pensar em como voltar à rotina de antes da pandemia, é preciso descobrir como funciona a imunidade contra a covid-19 no organismo.
Afinal, uma pessoa que já foi infectada e se recuperou pode pegar a doença de novo? Existe o que ficou conhecido como “passaporte de imunidade”? A resposta, por enquanto, não é definitiva.
Os esforços de pesquisa para produção de uma vacina envolvem entender a resposta imunológica das pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus, quais mecanismos de proteção foram ativados e, o mais importante, por quanto tempo esses mecanismos continuam protegendo o corpo de uma nova infecção. A comunidade científica, no entanto, ainda não chegou a um consenso. Há estudos que alegam haver indícios de que a imunidade contra o vírus tem duração baixa, de apenas alguns meses. Já outros mais recentes trazem evidências de que essa proteção pode durar anos.
Entenda abaixo toda a discussão e quais foram as principais descobertas e pesquisas publicadas sobre esse assunto.
Histórico dos coronavírus não indica imunidade duradoura
O principal problema para descobrir por quanto tempo uma pessoa que foi infectada pelo novo coronavírus fica imunizada é o fato de a doença ainda ser muito recente. Por isso, os testes e pesquisas sobre o assunto não podem ser considerados conclusivos, já que não houve tempo suficiente ainda para se determinar com exatidão esse período de proteção.
Alguns vírus, como o do sarampo, levam a uma imunização permanente. No entanto, ao analisar o histórico e a memória imunológica provocada pelos outros coronavírus conhecidos, como os respiratórios, geralmente a imunidade não dura muito tempo, como explicou o virologista Eurico Arruda, da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, em entrevista ao Estadão.
O que dizem as pesquisas sobre reinfecção por covid-19
Em meados de abril, a Coreia do Sul informou que alguns pacientes que já tinham se recuperado da covid-19 testaram positivo novamente para a doença. Na época, não ficou claro se os pacientes haviam se contaminado novamente ou se o vírus que já estava no corpo deles foi reativado após o tratamento.
Mais tarde naquele mesmo mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a publicar um comunicado para reafirmar que não há comprovação científica de que pessoas curadas do novo coronavírus se tornam imunes. Estudos posteriores demonstraram que o corpo produz sim uma certa quantidade de anticorpos contra o agente infeccioso, o que é uma pista de que houve pelo menos algum desenvolvimento de imunidade. Outras pesquisas indicam, no entanto, que a produção de anticorpos pelo organismo pode ser diferente entre assintomáticos e pacientes com sintomas leves.
Já no final de junho, um novo surto da doença atingiu a China, mais especificamente as províncias de Jilin e Heilongjiang. No entanto, o surto se manifestou de forma diferente em relação às primeiras infecções em Wuhan, no início do ano, o que indicava que o vírus poderia ter sofrido uma mutação. Quanto maior a capacidade de mutação do novo vírus, maiores as chances de contrair a doença novamente, uma vez que os anticorpos neutralizantes, responsáveis por combater o agente invasor, não estão adaptados à sua nova versão.
Entretanto, no começo de julho, novos estudos indicaram a possibilidade de uma imunidade mais duradoura do que foi indicado antes. No dia 2, a revista Science divulgou uma pesquisa feita com macacos infectados com Sars-Cov-2 (vírus responsável pela covid-19) e que tinham sido curados. Ao serem expostos novamente ao coronavírus 28 dias depois, eles não desenvolveram sintomas, o que indica imunidade em curto prazo.
Poucos dias depois, em 6 de julho, uma nova pesquisa sueca, feita com 200 pessoas, indicou que mesmo quem não tinha anticorpos contra o novo coronavírus poderia ter alguma imunidade para a covid-19 graças a células T específicas. As células T, ou linfócitos T, fazem parte do sistema imunológico e atuam no combate a agentes infecciosos.
Outros cientistas identificaram que pessoas que foram contaminadas na epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) que atingiu a China entre 2002 e 2003 têm mais chances de se proteger na atual pandemia. Isso porque elas apresentam células T que identificam proteínas do novo coronavírus que são semelhantes às do vírus da epidemia anterior.
Nenhum dos estudos apresentados até agora, no entanto, foi conclusivo sobre quanto tempo demora até uma pessoa infectada pelo novo coronavírus poder contrair o vírus novamente.
Imunidade de rebanho é incerta
Há também várias pesquisas sobre a chamada imunidade de rebanho, ou imunidade coletiva, em que uma maioria de pessoas que já foi infectada acaba não contraindo a doença novamente e, portanto, protege quem ainda não tem uma defesa imunológica específica para esse vírus.
De início, alguns especialistas afirmavam que essa imunidade coletiva seria atingida quando 60% a 80% da população tivesse sido exposta ao Sars-Cov-2. Outro estudo mais recente sugere uma parcela muito menor, com cerca de 20% da população infectada e imunizada contra a covid-19.
No entanto, mesmo que a parcela de pessoas infectadas para a imunidade coletiva seja tão baixa assim, especialistas alertam que ainda há muitas lacunas no conhecimento sobre a doença, justamente por ser tudo muito recente e que não é possível ainda relaxar as medidas de proteção. Segundo eles, essa imunidade só seria atingida com segurança com a descoberta de uma vacina.
Terra.com.br
Foto: Reuters