Prefeitura suspende atividades, em decorrência da infecção de servidores pela covid-19
Na África, novos programas mostram que é possível controlar a aids
Com projetos simples, financiados por instituições internacionais, Ruanda e Quênia são exemplos de que os números da doença podem ser reduzidos mesmo em países pobres e subdesenvolvidos
Na ancestral batalha contra os vírus, quase sempre o homem levou a pior. Foi só a partir da invenção da vacina, já no final do século 18, e sua posterior disseminação, no século 20, que conquistamos alguma vantagem contra esses micro-organismos. Até que, em 1979, algo até então considerado impossível foi alcançado. Depois de uma campanha de vacinação em massa inédita na história, a varíola foi erradicada e uma onda de otimismo tomou conta da comunidade médica. Por isso mesmo, a descoberta do vírus da aids, em 1981, apenas dois anos após a extinção da varíola, representou um dos maiores reveses já sofridos no campo da saúde pública. A doença apresentava características especialmente perniciosas: além de ser transmitida pelo ato sexual, não provocava nenhum sintoma por anos, tempo suficiente para contaminar muitas outras pessoas. E, quando finalmente manifestava-se, acabava com todas as defesas do organismo, deixando suas vítimas vulneráveis a todo tipo de infecção.
Nos últimos 30 anos o HIV matou 25 milhões de pessoas, o equivalente a uma vez e meia a população de Portugal. Tem seu lugar garantido entre as piores epidemias da história. Mas, depois desse período de trevas, aparecem as primeiras vozes defendendo seriamente ser possível pôr fim à doença. Como a varíola um dia pareceu invencível — matou 300 milhões de pessoas apenas no século 20 — e foi derrotada, a aids pode ter o mesmo destino.
O Fundo Global, que financia projetos de prevenção e tratamento da aids no mundo inteiro, fala em evitar 10 milhões de mortes e 180 milhões de novas infecções entre 2012 e 2016. O relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids) vai ainda mais longe. Fala de “zero novas infecções, zero mortes”, sem especificar datas, mas como algo a se aspirar. “Há apenas alguns anos, parecia impossível falar sobre o fim da epidemia a curto prazo. No entanto, a ciência, o apoio político e as respostas comunitárias estão começando a dar frutos claros e tangíveis”, disse Michel Sidibe, diretor executivo do órgão.
Pesquisas mundiais justificam o otimismo. Em 2005 a doença matou 2,1 milhões de pessoas. Quatro anos depois, o número de vítimas caiu para 1,8 milhão. Além disso, de acordo com dados da Unaids, nos 33 países mais afetados pelo vírus, os índices de novas infecções caíram em mais de 25% entre 2001 e 2009. Desses 33 países, 22 se encontram na África Subsaariana e mesmo os países que apresentam os piores índices da região – Etiópia, Nigéria, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue – conseguiram estabilizar ou mesmo reduzir as taxas de novas infecções.
A epidemia na África se tornou a mais crítica do mundo não só pela pobreza que assola o continente. Em países da região leste, os altos índices de transmissão foram impulsionados pelo intensa movimentação de migrantes em busca de trabalho – sobretudo homens. Acredita-se que motoristas de caminhão e prostitutas tenham desempenhado um papel significativo na disseminação do vírus em centros urbanos. Em Nairóbi, no Quênia, 85% das prostitutas estavam infectadas em 1986. Na mesma década, 35% dos motoristas testados em Uganda eram positivos.
Há ainda questões culturais e religiosas a serem levadas em consideração. Campanhas que incentivavam o uso sistemático de camisinhas, por exemplo, batiam de frente com ensinamentos religiosos. O drama foi amplificado pela demora da comunidade global em prestar socorro. Em 1985, Halfdan Mahler, diretor geral da Organização Mundial de Saúde, afirmou que o HIV não representava um risco tão eminente, e que a prioritdade no continente eram a malária e outras doenças tropicais. No ano seguinte, Mahler voltou atrás. A partir de então, a comunidade internacional começou a se mobilizar para tentar frear a epidemia. E os resultados, enfim, são palpáveis.
Em Ruanda, um pequeno país no leste da África, com apenas 10 milhões de habitantes, a luta contra a aids é um exemplo de como mesmo países pobres e que dependem de ajuda externa estão alcançado sucesso na luta contra a doença.
Com a sexta maior verba de doações do Fundo Global, o país tem um índice de prevalência do HIV na população de apenas 3% – frente a 7,3% há seis anos. A transmissão vertical, de mãe para filho, também sofreu reduções consideráveis: de 9,7% em 2006 para 2% em 2011. Há ainda um intenso programa de circuncisão, que promete fazer o procedimento em 2 milhões de homens até 2012 e reduzir, assim, 50% das transmissões do HIV.
Graças a todas essas medidas, a taxa de resultados positivos em exames caiu de 10,8%, em 2004, para 2%, em 2011 . “É possível sim controlar o número de infecções, mas, para isso, é preciso dinheiro. Se o mundo financia tantas coisas menos importantes, como campeonatos de futebol e bombas atômicas, por que se negar a financiar esses programas?”, diz Agnes Binagwaho, ministra da saúde de Ruanda.
O sucesso do país nasceu de uma ideia bem simples: chegar às comunidades ribeirinhas e afastadas através de um sistema baseado na colaboração de agentes de saúde, normalmente mulheres moradoras da própria comunidade. Elas são treinadas para fazer o diagnóstico primário de tuberculose e malária, mas também para garantir que pessoas HIV positivas façam o tratamento corretamente. “Temos também um processo participativo, onde todo mundo colabora na construção dos programas de prevenção ao HIV. Todos os setores estão em contato entre si. Antes de 1994 havia segregação em Ruanda, agora o país está empenhado em garantir que isso não se repita”, diz Agnes.
No vizinho Quênia, os programas de prevenção ao vírus seguem a mesma linha, mas muito ainda precisa ser feito para que os resultados possam ser significativos. Com uma população de 41 milhões, o país também recebe financiamento do Fundo Global – 223 milhões de dólares para HIV/aids. Entre os programas em curso, está a clínica SWOP, um centro especializado em atender e oferecer educação sexual a quase 7.000 profissionais do sexo – entre homens e mulheres. “Os dois países estão caminhando na direção certa, mas o Quênia tem algumas dificuldades, como o tamanho do país e a dificuldade de acesso a algumas regiões”, diz Linden Morrison, coordenador para a África Oriental do Fundo Global.
Prevenção — A redução na maioria desses países deve-se ao trabalho conjunto unindo tratamento e prevenção. Pesquisa clínica conduzida na África e finalizada este ano aponta que as drogas usadas no tratamento do HIV/aids diariamente podem reduzir em até 96% os riscos de novas infecções entre casais heterossexuais – o que, em efeito progressivo, poderia ajudar a pôr fim às transmissões.
Mas, para que a tarefa tenha resultado, é preciso dinheiro. O primeiro passo seria expandir o tratamento para as cerca de 34 milhões de pessoas que convivem hoje com a doença — estima-se que 10 milhões ainda estejam sem tratamento —, e para aquelas que, apesar de infectadas, não têm os sintomas da doença. É preciso ainda que a rede de triagem seja abrangente e consiga diagnosticar todas as pessoas infectadas.
Crise e financiamento — Em 2010, o Fundo Global sozinho financiou o tratamento com antirretrovirais de cerca de 3,2 milhões de pessoas. Para 2015, o objetivo global, firmado na reunião das Nações Unidas realizada em Nova York, em junho deste ano, é que um total de 15 milhões de tratamentos contra a aids sejam realizados – hoje, perto de 6,6 milhões de pessoas em todo o mundo recebem tratamento oferecidos por diversos órgãos de apoio internacional. Levantamentos recentes estimam que cerca de 16 bilhões de dólares são gastos anualmente em países pobres e em desenvolvimento na luta contra a aids.
Para garantir que o tratamento seja para todos, conseguindo, assim, dar o primeiro passo para pôr fim à aids, será preciso que o montante doado seja mais elevado. Um relatório publicado pelo periódico The Lancet este ano, sugere que uma mistura cuidadosamente elaborada de abordagens terapêuticas, que não envolvem todos os infectados ainda sem sintoma, teria um pico de 22 bilhões de dólares em 2015, tendo uma queda em seguida.
A realidade, no entanto, é bem diferente. De acordo com o Fundo Global, 2011 vem sendo um ano de problemas financeiros. Isso porque alguns doadores ainda não repassaram as quantias que haviam sido prometidas – 95% das contribuições vêm de governos. A falta de pagamentos atrasou até mesmo a rodada de propostas que estava agendada para o fim deste ano, e que deve acontecer só em 2012. Assim, pela primeira vez desde que foi criado, em 2002, o Fundo pula um ano na rodada de novas propostas por falta de verba.