Congresso Nacional – Senadores contratam dezenas de parentes de colegas

 Congresso Nacional – Senadores contratam dezenas de parentes de colegas

O veto a pais, filhos, irmãos, avôs e cunhados não impediu o uso de soluções criativas para empregar familiares no Senado. Ainda há pelo menos 78 parentes de senadores, ex-senadores, suplentes, governadores ou outros funcionários na Casa

O concurso do Senado Federal realizado no dia 11 de março foi um dos mais esperados e concorridos dos últimos anos. Mais de 158 mil inscritos disputaram 246 vagas, o que dá uma média de incríveis 642 candidatos por posto de trabalho. Além de passar meses estudando, cada pretendente teve de pagar R$ 200 pela inscrição e enfrentar cinco horas de prova. Mas nem todos precisam encarar essa maratona para realizar o sonho de trabalhar no Senado. Um levantamento feito por ÉPOCA na folha de pagamentos do Senado mostra que há uma via bem mais fácil para conquistar um emprego na Câmara Alta do Congresso Nacional. Basta ser filho, primo, tio ou irmão de algum político influente ou “de alguém” de dentro – e esse alguém nem precisa ser político profissional. Nesses casos, a chance de conseguir um emprego sem concorrência, prova ou tensão cresce consideravelmente.

O Senado abriga hoje pelo menos 78 parentes – nenhum deles concursado – de senadores, suplentes, políticos influentes ou funcionários da Casa. Os salários partem de R$ 1.601,46 e podem chegar a R$ 19.194,77. As nomeações ocorrem apesar dos avanços obtidos após a famosa crise dos atos secretos, que tomou conta da Casa em 2009. Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) vetar, em 2008, a contratação de parentes de até terceiro grau em órgãos públicos, o Senado deixou de publicar no Diário Oficial os atos relacionados às pessoas que seriam atingidas pela súmula. Quando o escândalo estourou, ficou impossível empurrar exonerações com a barriga. A proibição atingiu pais, irmãos, filhos, netos, avós, tios e sobrinhos de senadores. Mas não alcançou primos. Nem tios-avôs. Nem familiares de suplentes. Nem parentes de funcionários em casos em que um não é chefe do outro. Essas modalidades de parentesco não foram explicitamente condenadas na súmula do STF nem no decreto assinado em 2010 pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, para reforçá-la. Baseados nessa brecha, e com uma boa dose de criatividade, os senadores inauguraram uma nova era do nepotismo no Senado.

Uma manifestação comum desse novo nepotismo é a livre nomeação de primas e primos, próximos ou distantes. A decisão da Justiça e o decreto de Lula classificam primo – mesmo aquele bem próximo, com quem a pessoa brincava na infância – um parente de quarto grau, fora do veto do Supremo. No Senado, pelo menos sete parlamentares são adeptos dessa modalidade. O campeão é o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que nomeou dois primos: Fernando Neves Banhos, lotado em seu próprio gabinete, e Susana Neves Cabral, que atua no escritório de apoio político do senador no Rio de Janeiro. Susana foi casada com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB).

Os outros seis senadores com primos empregados na Casa são Cícero Lucena (PSDB-PB), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), João Vicente Claudino (PTB-PI), José Agripino Maia (DEM-RN), Roberto Requião (PMDB-PR) e Wellington Dias (PT-PI). Todos foram procurados por ÉPOCA para confirmar o parentesco e eventualmente comentar a nomeação. Nenhum negou os parentescos. Os senadores apenas repetiram que a súmula do STF não restringe a contratação de parentes acima de terceiro grau (leia seus nomes e cargos na tabela abaixo).

A segunda modalidade de nepotismo no Senado é o emprego de parentes de suplentes – aqui a criatividade anda mais solta. Nem sempre o parente do suplente é contratado pelo senador titular da chapa, como no caso de Rui Parra Motta, segundo suplente do senador Acir Gurgacz (PDT-RO). Um filho de Parra Motta, Caio, está lotado no gabinete do próprio Gurgacz. Seu irmão, Moacyr, trabalha no escritório de apoio de outro senador de Rondônia, Valdir Raupp (PMDB). Na bancada de Mato Grosso do Sul, há um caso parecido. O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) empregou Gustavo Figueiró num escritório de apoio. Figueiró é primo de segundo grau de Ruben Figueiró de Oliveira, segundo suplente da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), que renunciou para ocupar o cargo de conselheira do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul.

O Senado tem atualmente 6.241 nomes listados em sua folha de pagamentos. Metade passou por concurso, metade foi nomeada. A súmula do STF proíbe a contratação de pais, filhos, irmãos, tios, netos ou cunhados de servidores concursados em cargo de chefia. Mas há dúvidas jurídicas se o mesmo vale para os nomeados. A falta de clareza permite a proliferação de parentes de outros funcionários dentro do Senado. Em seu escritório de apoio, no Rio, Francisco Dornelles conta com a ajuda das irmãs Costa Velho Simões: Tatiana Claudia e Teresa Cristina. Outro exemplo são os irmãos Oliveira Caires. Ediberto Carlos e Jango Roberto trabalham juntos no gabinete do Bloco da Maioria, liderado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Vários casos de parentes não subordinados um ao outro estão em análise em processos administrativos no Senado.

Dos atuais 3.106 empregados comissionados (dispensados de concurso), 1.914 são contratados sob um expediente conhecido como Regime Especial de Frequência (REF). O nome pomposo tem significado simples: esses funcionários não precisam bater ponto. No universo de 78 parentes identificados por ÉPOCA, 43 estão no REF. Os exemplos mais fortes são o pastor Isamar Pessoa Ramalho, sua mulher, Maria de Nazaré Sodré Ramalho, e o filho do casal, Isamar Pessoa Ramalho Júnior. Ramalho pai e Ramalho mãe prestam serviços para o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Ramalho Júnior trabalha para a senadora Ângela Portela (PT-RR). Em setembro do ano passado, Isamar Ramalho foi condenado por reformar seu sítio e sua casa com R$ 430 mil desviados da igreja Assembleia de Deus. Mozarildo foi o único dos 62 senadores procurados pela reportagem que se negou a confirmar os parentescos.

A contratação de blocos familiares parece ser uma tradição no gabinete de Ângela Portela. Além do filho do pastor Isamar, a senadora petista emprega Hudson Fernandes de Morais e sua cunhada Viviane Apolinio Fernandes de Morais. Emprega também Kelvin da Silva Santos Taumaturgo e sua prima Cintia Taumaturgo Fernandes de Negreiros, ambos sobrinhos de outro funcionário de seu gabinete, Glicério José Taumaturgo Neto. O senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) emprega três duplas de irmãs: as Barbosas do Nascimento (Jaciara e Janaina), as Rodrigues Lima (Fernanda e Juliana) e as Moraes (Itana e Inaê). As irmãs Itana e Inaê aparecem na internet como integrantes do grupo musical brasiliense SaiaBamba. Num deles, Itana, “voz e violão”, dá a entender que suas pretensões profissionais passam longe do Senado: “Meu sonho? Viver de música. Espero poder viver de SaiaBamba, e isso está cada vez mais perto”.

 Após a crise dos atos secretos de 2009, o Senado encomendou um projeto de reforma administrativa à Fundação Getulio Vargas. Concluído meses depois, ele ainda aguarda implementação. A reforma administrativa poderia ser uma oportunidade para os senadores combaterem a proliferação de parentes na Casa. O assunto, porém, nem sequer é mencionado. O centro da discussão está na ampliação do número de funcionários de confiança de cada senador. O projeto original da FGV limitava a 25 assessores. O documento que tramita atualmente já fala na contratação de até 55 – alguns já empregam 67 pessoas. Para a cientista política Dulce Pandolfi, da FGV, a mistura do público com o privado é uma tradição na cultura do país. “As origens datam do período colonial”, afirma. O problema não será resolvido, segundo ela, sem controle dos cidadãos. “A descrença é tão grande com o Legislativo que acaba havendo pouco envolvimento.”

Só mesmo a tradição talvez explique por que políticos que há tempos deixaram a Casa continuem patrocinando funcionários. Silvia Ligia Suassuna de Vasconcelos, sobrinha de Ney Suassuna (PMDB), ex-senador desde 2007, está empregada desde fevereiro de 2011 no gabinete do conterrâneo Vital do Rêgo (PMDB-PB). Até mortos ainda mandam na instituição. Mesmo após a morte do patriarca, há quase 14 anos, a família Heusi Lucena continua bem representada. O paraibano Humberto Lucena foi presidente do Senado em 1993 e 1994. Hoje, dois filhos seus e uma prima dos filhos atuam no local. Luis Carlos Bello Parga Junior, filho do senador maranhense Bello Parga, já morto, trabalha para o senador Clóvis Fecury (DEM-MA).

A camaradagem dos senadores também contempla governadores ou ex-governadores. Em dezembro de 2010, Marconi Perillo (PSDB) deixou o Senado para assumir pela terceira vez o governo de Goiás. Sua prima Flavia Perillo segue no gabinete de Cyro Miranda (PSDB-GO), o suplente de Marconi. O sobrinho Paulo Sergio Perillo é empregado por Lúcia Vânia (PSDB-GO). No Pará. Simão Tomaz Jatene de Souza, sobrinho do governador Simão Jatene (PSDB), trabalha para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). É o Senado Federal preservando a família brasileira.  Época

 

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