O novo Collor! Por Ayrton Maciel

 O novo Collor! Por Ayrton Maciel

Dois adágios que se tornaram populares entre os brasileiros vêm ao pensamento, nesta época de pouca lealdade, nenhuma fidelidade, descrença nos políticos e grande esperteza, por traduzirem, com bom humor, o momento político do Brasil: “Nada está tão ruim que não possa ficar pior”, adaptação da Lei de Murphy; e “quanto mais rezo, mais assombração me aparece”, extraída de poema de Torquato Neto. Dois provérbios que espelham, também, o que parece ser o carma da formação do povo brasileiro.

Eis que, mais que de repente, não se sabe de qual imaginação – se a própria ou a de quem lhe rodeia – surge o ex-presidente Fernando Collor de Mello, cassado em 1992, nas manchetes nacionais, anunciando que estuda a possibilidade de ser candidato à Presidência da República em 2014.

Sim, elle mesmo, atual senador por Alagoas. Nada ilegal, inconstitucional, até porque o Supremo Tribunal Federal (STF) o inocentou das acusações de corrupção e o prazo de perda dos direitos políticos foi cumprido em seu tempo. Quer dizer, não basta um; há de se ter um segundo. Sim, porque o primeiro Collor nos remete a 1989. Uma aposta na despolitização das massas, na desqualificação dos políticos, na descrença na política, na ineficiência da condução da economia, na perda do controle controle da inflação e na corrupção crônica do Estado brasileiro e a má qualidade dos seus serviços. Esse foi o projeto Collor 89.

Surgido dois anos antes, em 1987, durante viagem do então governador alagoano à China – tendo no cortejo os bons companheiros Renan Calheiros, Cláudio Humberto e Cleto Falcão – o projeto de construção de Collor foi articulado, midiático e messiânico. De família proprietária de sistema de comunicação, com a estação de TV afiliada a uma poderosa rede nacional, começa a ser projetado como um político diferente, um fato novo na mesmice e desesperança nacional. Adota do discurso do combate às castas privilegiadas do serviço público, enfrenta destemido os ‘marajás’ do Judiciário alagoano, suspende aumentos de salários de desembargadores e de elites do serviço público.

Argumento pronto, conteúdo montado, caberia ao marketing e à mídia propagar aquele que viria para transformar o Brasil. Todos os males do País precisariam ser atacados, mas, estrategicamente, focados naquele que era a representação desses males: o presidente José Sarney, de seu partido, o PMDB.

Para ser o novo na política nacional não bastariam parecer novo e ter um discurso novo. Era preciso um partido novo, crítico de todos os demais, velhos e superados partidos. Em fevereiro de 89 é lançado o manifesto de criação do Partido da Reconstrução Nacional(PRN), que não era igual a PMDB, PSDB, PDS, PFL, PT, PSB, PCs,etc, porque seria o partido das mudanças.

Governo Sarney envolto em denúncias sucessivas de corrupção, planos econômicos fracassados, inflação mensal galopante (chegaria a 80% em um único mês), o projeto Collor estava pronto para dar certo. E deu. Nada conseguiu deter o discurso e a propaganda. Collor foi eleito. O restante da aventura o Brasil conhece.

O que o novo Collor tem a apresentar? Senador por Alagos, em 2010, incorporou-se à base de apoio do ex-presidente Lula e está na base da presidente Dilma, com atuação parlamentar solidária na defesa do governo. Mas, com tamanha lealdade a outrora adversários, com qual programa vai se apresentar como candidato? Permanecerá na base do governo e, no momento mais oportuno, simplemente se anunciará candidato? Cuspirá no prato que comeu, como interpretou a ingratidão o poeta Augusto dos Anjos?

Não é difícil formar autocrátas, personagens que se alimentam do próprio ego. A propaganda, como arma, sabe bem como criar salvadores da pátria. No Brasil, personagens políticos assim são cíclicos. Para acabar com o atraso conservador ruralista do ‘café com leite’, no Poder, fez-se a Revolução de 30. Getúlio Vargas, grande líder, tem até hoje a imagem de ‘pai dos trabalhadores’, construída pela propaganda, não em cima da revolução, mas das concessões feitas como ditador (Estado Novo, 1937-1945). Getúlio que, inicialmente, foi simpático ao Eixo – a tríade Alemanha, Itália e Japão – no começo da Segunda Guerra. Foi eleito depois pelo voto, na esteira da imagem criada. Tão personalista, optou pelo suicídio, em 1954, ante a iminente deposição do poder.

Egocêntrico, Jânio Quadros empolgou o Brasil – a vassoura foi seu símbolo de propaganda -, sendo eleito em 1960 com a promessa de varrer a corrupção do País. Com sete meses de governo, cometeu ‘autofagia política’. Foi derrotado pelo próprio delírio, obcecado que estava pelo poder. Episódios obscuros, dramáticos e ridículos fazem parte da vida política nacional.

Uma candidatura de Fernando Collor de Mello, em 2014, seria construída em quais bases e com qual discurso? A propaganda iria reeditar 1989: o novo, o gestor moderno, o anticorrupto, o ‘caçador de marajás’? Qual seria o novo discurso Collor? Modernização do Estado, privatização de estradas e portos, novo pacto federativo, desburocratização da máquina, combate à corrupção e redução das desigualdades regionais? Essa plataforma já está sendo propagada por outros candidatos. Iria elle se apropriar do que já é defendido por concorrentes?

O novo Collor é o velho Collor. O Estado brasileiro é um grande e pesado elefante. Metáfora antiga. Práticas velhas não estão velhas apenas porque estão superadas, embora nem tão vencidas, mas porque são antigas mesmo. Muitas, coloniais. Se não for por revolução, serão vencidas de forma gradual, e mais aceleradamente se houver avanços na base de formação do povo brasileiro: digo, educação. O restante virá por gravidade. Queimar etapas de mudanças, dentro de um regime democrático, nos põe sob o risco do elefante cair sobre nossas cabeças.

Assim, na democracia, a ordem dos fatores pode alterar o produto: punir os corruptos é atribuição da Justiça; investigar corrupção é papel da polícia e de corregedorias institucionais; denunciar, é missão do Ministério Público. Não cabe a ‘messias’, salvadores da pátria, pregadores da moralidade, apresentarem-se como exemplos. O poder é um ato coletivo.

Ayrton Maciel é jornalista.

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