Entre o Papa e o pecado. Por Bruno Peron

 Entre o Papa e o pecado. Por Bruno Peron

Enquanto se bradou que “o gigante acordou” em junho e julho de 2013, digo que o gigante adormeceu com a visita posterior do Papa Francisco. O Vaticano fez uma jogada de mestre ao eleger um líder católico sul-americano diante da perda crescente de fiéis na região. Nesta época delicada de regeneração da democracia no Brasil, os poderes hegemônicos não têm encontrado grandes dificuldades para acalmar o bebezão em seu berço com uma cantiga de ninar.

congresso-povo 1Não estou convencido de que o Estado brasileiro seja laico, como se apregoa oficialmente desde o início da República, devido à relação parentesca entre nossas instituições políticas e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O avião da Alitália que desfilou com o Papa na janela em sua despedida do Brasil no final de julho de 2013 papou maior atenção (de telespectadores no Brasil e noutros países) que a maioria das aparições públicas de nossa presidente. Alguém me comentou que as palavras do Papa foram bonitas e humildes (“Não tenho ouro nem prata, mas trago Jesus Cristo.”). Ora, daqui os europeus sempre levaram o ouro e a prata; o antropólogo Darcy Ribeiro argumentou que a cruz postergou a rebelião dos ameríndios e dos africanos escravizados sem que deixasse de ser um  fator indireto de extermínio.

Mais preocupante que nossa rendição ao poder religioso é o preconceito que temos em relação ao Estado como sustentador pecuniário da sociedade brasileira. Em vez de agente garantidor do interesse público, o Estado é mal entendido como fonte de estabilidade profissional de carreiras diversas e provedor de benefícios perenes. A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM)queixaram-se de que o programa Mais Médicos concederia bolsas a recém-formados na área da saúde no lugar de garantir-lhes carreiras de longo prazo.

Deste modo, lamento que o Estado tenha entrado na receita do banquete que se divide entre meio-cidadãos pouco preparados para entender a função público-operacional do Estado. Nesta análise, está também o descabimento de melhorar a qualidade do transporte coletivo urbano através da demanda de tarifa zero. Se o Estado tiver que desembolsar mais dinheiro, tirará do contribuinte, que pagará impostos mais altos. Logo o Estado terá que tirar dinheiro da cartola, já que queremos tarifa zero e impostos mais baixos. Recordo que a luta contra a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi um golpe indireto contra a saúde.

Por isso, o Brasil gera grandes negócios para oportunistas e riscos para cidadãos justos. Sua economia é instável, como demonstra a desvalorização do Real nestas últimas semanas e ainflação. Sua política tem sempre a corda no pescoço dos dirigentes políticos, que, no menor desvio de conduta, sacrificam-se por escândalos de corrupção e polêmicas midiáticas.

Deste modo, é inadiável o reconhecimento de que somos quase 200 milhões de brasileiros que proliferam com sede de educação e fome de instrução. Se cada antena de televisão instalada no morro fosse mais um motivo de lamentação, teríamos um incentivo para buscar outras fontes educativas que nos engrandeçam em vez de aviltar-nos. Precisamos trabalhar pelo país.

Assim, buscamos respostas políticas às nossas demandas sociais embaixo dos escombros deixados pelos protestos de junho e julho de 2013. Quem sabe se, numa destas buscas, deparamo-nos com corpos desaparecidos (como o do pedreiro Amarildo) ou a esperança dos brasileiros de um país real e oficialmente justo (não aquele que comemora a soja exportada). Afinal, “a esperança é a última que morre” e ela é a mão amigada luta que prossegue.

Por Bruno Peron

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