Prefeitura suspende atividades, em decorrência da infecção de servidores pela covid-19
CLIQUE AQUI. POR MARLI GONÇALVES
Aperta lá. Passa o dedo. Deslize para abrir. Clic,clic,clic. Nossa vida virou um enorme clicar, apertar, acessar, deletar. Inventar senhas doidas, alfa alguma coisa misturada com outra. Um novo mundo se desenvolve à nossa frente, tentando controlar tudo. Saudades do tempo em que a gente apenas não sabia onde estava o controle da tevê, aquele que ainda teima em se esconder no buraquinho do sofá
O cão late, um gato mia, o galo cacareja, toca um trecho de uma música boa para cortar os pulsos, assovios, canto de passarinho, vozes de new personalidades como o Cumpadi Washington (“Sabe de nada, inocente!”), fora os sambinhas e outros sons, alguns bem bizarros. Viraram todos parte de nosso dia a dia, em celulares que agora não mais só tocam para que se atenda, essa coisa simples e tão ultrapassada. Tem o som do Whatsapp, da mensagem SMS, da mensagem do Twitter, do Facebook, do e-mail. Virou uma farra ensurdecedora, que chega a ser engraçada quando, por exemplo, se está em uma reunião. E para decorar o que cada som quer dizer? Fora os toques diferentes escolhidos para contatos especiais.
Li que as mulheres estão até adquirindo queixo duplo de tanto ficar com a cabeça baixa, atentas à telinha. Ainda não vi nenhum cálculo sobre o número de mortes por atropelamento ou acidentes causados pela distração com as maquininhas, mas os números já devem ser grandes. Sinceramente: fico doente quando estou com alguém desse tipo, que não larga o celular. Dá vontade de ir embora e telefonar depois, xingando, é claro; só assim a pessoa te ouviria mais atentamente.
Temo que além dos queixos duplos, possíveis acidentes, logo logo a humanidade perderá as impressões digitais, gastas, a começar pelos polegares. Já o indicador vai ficar todo gasto primeiro nas laterais.
Estamos todos teleguiados. E não sei se é bom ou ruim, antes que me pergunte. Apenas estou constatando que não dá para contar o número de vezes que, por dia, clico aqui, deslizo lá, para saber mais, ou para ligar alguma coisa. Também é cada vez mais complicado ficar longe do computador, mesmo que por algumas horas – você pode estar perdendo a transmissão online do fim do mundo e não fica sabendo. E o sentimento de culpa?
Mas não é só dos celulares que estaremos falando – inclusive, por favor, alguém aí pode me ensinar como se comunicar pelo IPAD e o escambau igual fazem tão fácil nas novelas? Tipo telefone com imagem, você conversar vendo a pessoa? Acho lindo, mas não há Cristo que me faça acertar o tal Facetime.
Voltando: é ou não é? Reparei que há uma invasão de controles remotos. Os fios estão sendo assassinados, mas agora tudo se controla também digitalmente, até o choro do bebê – outro dia ouvi falar de um aparelho celular com aplicativo meigo que toca música clássica à distância na tal babá eletrônica. Pensa só que você abre e fecha portões, põe comida no microondas, se for rico abre a porta de casa naquelas fechaduras sem chave, pode ver o que acontece em casa via câmeras, apagar e acender luzes. Já vi uma banheira com a borda toda cercada de botõezinhos e rapidamente surgiram celulares vibradores, vibradores – bem, você entendeu para o que serviriam. E se já achava o máximo a ideia de ter um despertador que sai voando pelo quarto obrigando que o sonado ser comece o dia empreendendo uma caçada, agora a coisa já foi ainda mais longe.
Tem padaria usando drone, as pequenas geringonças não tripuladas, aeronaves para o delivery de pão quentinho. E tem drone andando por aí fazendo cada coisa! De entregar drogas e armas em penitenciárias a fotógrafo aéreo de casamentos ou até, inclusive, substituindo os jornalistas em protestos. De qualquer forma devem sair bem mais baratos que os helicópteros de onde ultimamente vêm sendo feitos os relatos para a tevê. Gostaria de lembrar que talvez um binóculo também possa voltar a ser um bom acessório para os repórteres.
Eu sei que, sorria, você está sendo filmado – as câmeras nos prédios, ruas, shoppings, bancos, apontam para você, algumas até intimidadoras. Sei de muita gente que tem umas instaladas na porta de suas casas, mas “frias”, não estão ligadas a nada, serviriam apenas para assustar meliantes, de quando em quando se mexendo e piscando uma luzinha vermelha. Tem de tudo. Compra lá na 25 de Março.
Tem tanto de tudo que agora inventaram mais uma: os cabos eleitorais robôs que vivem infernizando e empesteando as redes sociais. Cada um deles tem nome, falso, perfil, falso, e até imagens, falsas. As ideias e opiniões, plantadas. Capaz até de eu ter alguns amigos robôs, que confirmei amizade, e não estou sabendo. Vai ser um inferno até o final do ano. Onde compra? Pergunta lá no Posto Petrobras.
Mas também vou admitir que nada nunca superará o ser humano. Já tem um monte deles, regiamente pagos, funcionando como controles remotos por aí, defendendo com argumentos absolutamente inacreditáveis cada bobagem que é dita lá pelos lados do Planalto. E vem surgindo , reparem, outro tipo que para não ser chamado (ou xingado) de petista, petralha, escreve como se fosse gente boa, mas querendo calar quem ousa se opor ao Grande Guia e, principalmente se for personalidade, dá entrevistas sobre a sua visão do que está acontecendo no país.
Como podem falar mal de um lugar onde está tudo tão bem, educado, saudável, bem dirigido, em desenvolvimento, só progredindo, honesto, com estradas, aeroportos, portos, e o que é melhor, com a bola rolando? Ôôô, gente má, não?
São Paulo, 2014, 30 anos depois do Grande Irmão de 1984.
Marli Gonçalves é jornalista – Procurando aplicativos que detectem sórdidos. Economizando para comprar um “Google Glass “de Sol, para preservar a íris, que em breve deve substituir o clique aqui pelo olhe aqui, para abrir e fechar portas e outras coisinhas.