O tempo da briga de rua

 O tempo da briga de rua

Eu me lembro de ter brigado na rua duas vezes. Teria brigado mais.  A única coisa que me impedia de brigar era, não o medo de perder ou de apanhar, mas a vergonha de minha mãe saber que eu tinha brigado na rua.  “Irai-vos, mas não pequeis”. Não é assim que está escrito? A gente brigava, se esmurrava e, no outro dia, estávamos nós a jogar bola no meio da rua. Felizes da vida. Nós, naquele tempo, mantínhamos a vida – uns dos outros.

Leio, neste mesmo site, que, em apenas 36 horas, foram cometidos quatro homicídios no Centro de Paulo Afonso. Só no centro! O que é isso de matar uns aos outros? Que retrocesso é esse? Qual a explicação? Os machos dos clãs brigam e se dilaceram. Disputam as fêmeas, mas raramente se matam. O derrotado reconhece a derrota, a superioridade do outro, e se retira. Aí jaz toda a honra – que os animais têm a nos ensinar. O bangue- bangue voltou na nossa cidade. Estamos em retrocesso.

Estava no centro descendo a Getúlio Vargas. Ouvi zoada de traques de São João. Olhei para o outro lado, onde hoje é o calçadão, e ainda pude ver o pobre infeliz balançar e cair lentamente. Tinha recebido bala de um concorrente do serviço de kombis de transporte. Ao ser socorrido para o Hospital da Chesf, tinha um furo de bala na altura do rim direito. Morreu no outro dia.

O fato narrado aconteceu há mais de trinta anos. Pouca gente topava vir para a nossa região. Os que vínhamos éramos aconselhados a andar pouco do lado de fora do muro da companhia; a se recolher mais cedo. O tempo correu e todos pensávamos ter chegado a uma nova era de compreensão e entendimento.

As mulheres brigam e se ofendem. Antes da arma de fogo, usam a língua para brigar. Urdem e tecem. Intrigam e tramam. Raramente usam as unhas e puxam os cabelos. Melhor assim. Menos filhos ficam órfãos e menos maridos viúvos.

O que é isso? De novo, o que está acontecendo? Falta de Deus, diriam os crédulos. É a crise econômica, afirmariam os mais politizados; falta de esperança, sinal dos tempos, prevalência da violência, omissão do estado, vazio jurídico – tudo junto.

Assim sendo, que saudade dos tempos das querelas, do bate-boca, das picuinhas e das brigas de rua. Não se matava tanto quanto agora.nery

Francisco Nery Júnior

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