Conta de água dobrada em dezembro. Enquanto isso…

 Conta de água dobrada em dezembro. Enquanto isso…

Oitenta reais de água acrescidos de 70 por conta do esgoto. A partir de dezembro, coincidentemente passadas as eleições de outubro, estamos a pagar esgoto. Para nós do BNH, a dose é muito mais amarga do que para outros leitores. Tínhamos, no bairro, uma rede muito eficiente funcionando há mais de 40 anos, feita pela Chesf. Era eficiente porque dava vazão aos dejetos sem nos criar problemas. Reuniões acertadas, conselho convocado, e veio a decisão: refazer a rede coletora do bairro. Esquecer a anterior. Milhões de reais aplicados na construção da nova rede. Aperreios de poeira, entulho e explosões de dinamite por alguns meses. O chão do BNH é duro de roer. A rede velha continua a funcionar, quase ninguém mudou a ligação para a nova – a responsabilidade da operação, nos disseram,  é do morador-,  nós começamos a pagar esgoto. Menos pão na mesa. Aumento de tributo. Tiro de canhão no pé no momento em que a economia decididamente não vai bem.

Alma, deixe tocar sua alma, a epiderme da alma, superficial. Mais ou menos assim vai a música da novela das sete da Rede Globo. Excelente música. Sai da superfície e entra na sua alma; na alma do leitor. Não é exatamente isto que o escritor busca fazer? Anela entrar na alma do leitor, quer para de lá extrair todo o bom senso que ele tem, para não dizer a verdade, quer para sutilmente, sem ele saber, cooptá-lo para si. Entenda-se para si como para suas idéias. Victor Hugo só faz isto nas 1.400 páginas da versão em inglês de Os Miseráveis e nas 1600 da versão em francês. Li-as todas, uma por uma, estudando, durante o ano que se finda.  Fernando Pessoa não faz outra coisa nos seus escritos. Ambos, juntamente com Castro Alves e Kalil Gibran, sabiam-se gênios. Na esteira deles (sem me considerar coisa alguma), busco a parceria e o conforto do leitor de Paulo Afonso. Se assim não fosse, nada faria sentido. O homem não foi criado para comunicação; extensão e interação?

Tomando como certo a conquista do leitor, já é possível repetir sem medo que passamos a pagar um novo tributo na cidade de Paulo Afonso. Pagamos a água tratada que consumimos e pagamos o escoamento da água suja que descartamos. Devo deixar claro que não estou assustado com o aumento da minha carga tributária. Devo, porém, declarar o meu espanto com a proporcionalidade do montante mensal em reais do consumo de água em relação ao valor nominal do salário mínimo. Quero crer que o leitor concorda com o meu espanto quando verifica que aquele montante corresponde a cerca de 20% do mínimo. Moro só com a minha mulher, um cachorro de porte médio e, de seis anos para cá, não tenho mais empregada em tempo integral.

Enquanto isso, a Embasa vai apetitosamente iniciando o seu papel de arrecadar a taxa de esgoto – de nós! Claro, é preciso arrecadar. Uma empresa é uma empresa . Precisa de recursos para o custeio. Precisa honrar o pagamento dos empréstimos contraídos. Os juros são altos. Precisa investir. É preciso arrecadar. Novamente, de nós, míseros mortais. Arrecada e arrecada. Cumpre com eficiência o seu papel de arrecadar.

Poderia também ser eficiente na manutenção dos seus sistemas. Vazamentos de água tratada na rede distribuidora deveriam ser rapidamente reparados. À arrecadação com avidez (a inadimplência sempre corresponde ao corte do fornecimento) deveria corresponder a eficiente manutenção. Há um vazamento sério no ramal bem em frente à minha casa. Deu sinal há vários dias. Pela quantidade de água escapada que sobe pelo calçamento e começa a correr ao longo do meio-fio, podemos concluir que o prejuízo é grande.

Não mais que alguns dias atrás, saí pelo portão e dei de cara com um carro da Embasa. Acenei para que o motorista parasse e lhe mostrei o vazamento, a propósito bem ao lado de um buraco não recomposto há cerca de 15 anos e atrás de outro também não reparado há cerca de 3 meses. Ambos cavados pela Embasa. O funcionário me garantiu que faria a comunicação do problema à empresa. Até me agradeceu. Efusivamente me agradeceu.

A água continua a jorrar calçamento acima, eliminando todo o esforço resignadamente feito por nós quando pagamos sem atraso, agora quase em dobro, a nossa conta de água.nery

Francisco Nery Júnior

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