‘Lava Jato já é uma referência’, diz delegada

 ‘Lava Jato já é uma referência’, diz delegada

pol fUma das coordenadoras da Lava Jato, a delegada Erika Marena prevê novos rumos para a investigação e prevê ‘bons resultados’ no Judiciário

O que começou como uma investigação local sobre um esquema de lavagem de dinheiro operado por uma rede de doleiros acabou por trazer à luz o petrolão, maior esquema de corrupção da história do país. Ao longo de mais de um ano e meio, a força-tarefa da Operação Lava Jato tem enfrentado seguidos desafios – entre os mais recentes, os ataques do PT e as manobras para tentar desqualificar o trabalho das autoridades e de agentes envolvidos nas investigações. Uma das coordenadoras da Lava Jato, a delegada da Polícia Federal Erika Mialik Marena, de 39 anos, afirma que o trabalho está só no começo. À frente de outros quatro delegados, ela aposta principalmente nos pedidos de cooperação jurídica internacional a dez países como forma de desvendar a extensão do esquema: uma nova leva de prisões deve ocorrer a partir do mapeamento do fluxo da propina mundo afora. A delegada diz acreditar ainda que a investigação já é uma “referência” pelos resultados alcançados até agora e prevê “bons resultados” nas cortes superiores. “Acreditamos que o que foi produzido até aqui no âmbito da investigação policial tem consistência suficiente para levar a bons resultados no futuro”, afirmou Erika. Leia a seguir a entrevista ao site de VEJA.

Quais serão as heranças da Operação Lava Jato?

A operação já é uma referência pela dimensão que atingiu até aqui. E ainda vai trazer muitos frutos a partir de cooperações buscadas com outros países. Ainda não é possível dizer até onde vai. De tudo que vem sendo analisado é possível que a Lava Jato nos leve por outras áreas, por outros temas nesse segmento da criminalidade organizada do colarinho branco. Por isso tudo já é referência. Acreditamos que o que foi produzido até aqui no âmbito da investigação policial tem consistência suficiente para levar a bons resultados no futuro, inclusive perante as cortes superiores.

Faltam melhorias no monitoramento e na comunicação de operações suspeitas pelos bancos?

Esse mecanismo já se aperfeiçoou bastante comparado ao que era há dez anos. Hoje quebras de sigilo bancário são obtidas de modo eletrônico. Mas há deficiências ainda. Há muitos bancos que mandam informações incompletas e que é preciso fazer uma, duas ou três reiterações. Ainda tem muito caminho para melhorar. A Lava Jato teve vários casos nos quais o banco comunicou e, graças a isso, algumas situações criminosas foram identificadas. Mas também mostrou muitos casos de falhas em que a política de know your customer (conhecer o cliente) foi solenemente ignorada. Cabe a nós investigar até que ponto essa ignorância da origem do dinheiro transitando pela instituição foi mera negligência ou uma omissão e conluio com o próprio cliente. Muitas vezes funcionários são cooptados e sabem com quem estão lidando.

A operação teria avançado tanto sem a ajuda de delatores?

Verificamos que houve pagamento de propina em muitas obras e contratos a partir do material apreendido. Várias notas fiscais emitidas para empresas de fachada mencionam determinadas obras. Foram aprendidos contratos fictícios em que são citados objetos que teriam a ver com determinada obra. Não dependemos de delação premiada para acelerar a investigação. O material apreendido é muito rico. E a lei prevê que o delator precisa trazer novos casos de crimes, não é uma confissão. Tem de contribuir para desvendar o caso e apresentar fatos correlatos, isso é condição essencial.

Por que no Brasil essa figura do doleiro é tão popular?

Doleiro é um lavador de dinheiro profissional e essa figura existe em todo o mundo. Ele disponibiliza valores fora do Brasil ou traz esse dinheiro de volta ao país. Cria mecanismos para disfarçar o trânsito desses valores. Enquanto existir demanda para circulação de dinheiro cuja origem não pode aparecer, vai existir alguém no mercado paralelo para oferecer esse serviço. É um banco clandestino. Não teve ainda na Operação Lava Jato um doleiro cambista (aquele que meramente vende dólar clandestinamente). O doleiro vai muito além de uma simples troca de real por dólar, até porque hoje o mercado cambial passou por inúmeras alterações e é muito mais fácil comprar moeda. A busca pela clandestinidade tem como objetivo ocultar esse dinheiro do conhecimento das autoridades e é isso que profissionais fazem. Muitas vezes se especializam em determinados segmentos. Alguns fazem para traficantes, contrabandistas e outros vão se especializar para lavar dinheiro desviado de obras públicas. Mas, em suma, todos fazem a mesma coisa: ocultar origem do dinheiro das autoridades.

Por que milionários se arriscam em esquemas criminosos como o petrolão?

Há uma simbiose. Há interesses políticos, econômicos e a facilidade. Ao longo da história brasileira, alguns casos de lavagem de dinheiro não avançaram pela complexidade desse tipo de criminalidade de colarinho branco. Tem que montar um quebra-cabeça, contar com mecanismos diferenciados de investigação e, só muito recentemente, o Brasil avançou em nos oferecer mecanismos para isso. A lei contra lavagem de dinheiro é de 1998. Até então, o dinheiro do tráfico e da corrupção podia ser lavado, mas não existia crime isoladamente considerado como lavagem. Faz pouco tempo que o país se reestruturou para combater o crime de lavagem.

Quais os métodos mais comuns de lavar dinheiro? Esse tipo de criminalidade é muito criativo. Estamos sempre descobrindo novos meios de lavar dinheiro. Então há métodos que são tipicamente usados, como usar laranjas em empresas, contas bancários de terceiros, empresas inexistentes e contratos de consultoria. Mas embora existam elementos que se repitam, podemos descobrir novos métodos de encobrir esse fluxo do dinheiro. A Lava Jato ainda vai mostrar mais novidades nesse sentido.

Como a experiência na procuradoria do Banco Central ajuda no seu trabalho de policial?

Os temas que precisei estudar enquanto estive ali me mostraram o quanto é vasto este universo do mercado financeiro e certamente me auxiliaram a ter maior familiaridade com o material que vemos nas investigações. Além disso, foi justamente por ser oriunda do Banco Central que fui encaminhada para atuar na área de crimes contra o sistema financeiro na Polícia Federal.

Veja

Daniel Haidar, de Curitiba

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