E assim morreu Lampião

 E assim morreu Lampião

Francisco Nery Júnior

Após 41 anos de espera e adiamento, conheci Angico; a gruta de Angico. Foi lá que morreu boa parte do bando de Lampião. Eles não somente morreram. Foram trucidados! Lampião foi um guerrilheiro de primeira linha. Poderia ter sido aproveitado para o bem. Quem sabe? Se os maus não são bons porque os bons não são melhores, então, se os nossos antepassados, em 1938, não fossem maus (lembremo-nos todos que Cristo categoricamente afirmou que somos maus), o Rei do Cangaço poderia ter se tornado bom. Tudo leva a crer que Corisco tentou ser bom após a morte do chefe, mas veio um mau – ou um pequeno punhado de maus – e lá se foi Corisco se encontrar com os onze cangaceiros mortos lá em Angico.

O leitor atento pode argumentar – na realidade, contra-argumentar – que os tempos eram outros e que ninguém via o Bando de Lampião com os olhos voltados para a sociologia. Ele era a cangaceiro sanguinário que, no lugar do estado, fazia a justiça ser aplicada, pela ponta do seu punhal, para punir os maus; os opressores tolerados pelo mesmo estado, diriam outros.

Lampião em Angico, da mesma forma que Antônio Conselheiro em Canudos, bem que poderia ter sido cooptado para o lado dos bons. Padre Cícero e companhia bem poderiam ter nos feito esse favor. Não fizeram e agora o sentimento de culpa pesa sobre os nossos ombros. Tudo isto dito de outra maneira, se tivessem sido os nossos antepassados tão lenientes como somos hoje em relação aos facínoras atuais, Lampião e Maria bonita – ela era bonita – teriam vivido o seu romance até a morte – morte em cima da cama. Eu vi as cabeças expostas no Nina Rodrigues em Salvador, espetáculo macabro apagado da nossa história. Alguém entrou na justiça com um pedido de liberação das cabeças, ganhou em primeira instância, e se apressou em enterrá-las com bastante cal antes que algum recurso fosse concedido em segunda instância.

Lá estava eu e um bando de turistas enfeitados para isto no lugar onde Lampião passou a sua última noite de prazer e relaxamento com a sua amada. A volante chegou bem armada, espalhou muitos membros do bando Nordeste afora, e matou (trucidou mesmo) onze cangaceiros ao redor da gruta. A trilha, da beira do rio até o valado fatal, é tolerável. O leitor pega um catamarã (pode pedir para o responsável diminuir aquela música horrorosa que alguns se comprazem em ouvir no lugar do canto das aves e do balançar do rio), e pronto.

A estrada de Paulo Afonso até Piranhas, por incrível que pareça, faz lembrar as estradas dos países desenvolvidos. É um tapete que nos leva a uma região onde as pessoas sabem nos receber. As pessoas por lá, caro leitor, sabem interagir com o turista. Elas exploram todas as possibilidades turísticas. Os hotéis estão cheios agora no final de abril, os ribeirinhos de Piranhas e Canindé têm os seus empregos e as prefeituras arrecadam mais.

Um toque triste de doer é ver os trilhos que seriam usados na primeira etapa da recuperação da velha estrada de ferro Piranhas/Jatobá empilhados em descaso logo abaixo da antiga estação, hoje museu, legado acerbo de um sonhar que é morto na linguagem do poeta.

 

Francisco Nery Júnior
Francisco Nery Júnior

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