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Nossa Senhora da Conceição Aparecida, rogai por nós!
Dom Orani Tempesta*
Neste 12 de outubro, o Brasil celebra com muita reverência a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, cuja imagem de barro escurecida pelo limo do fundo do Rio foi encontrada de modo semelhante ao da cena da pesca milagrosa do Evangelho (cf. Lc 5,1-11) por três pescadores em 1717, há quase 300 anos.
Aproveito vários escritos sobre Maria e o episódio de Aparecida para esse momento especial em nosso país. Essa celebração nos leva a refletir, de modo bastante profundo, sobre o ocorrido naquele marcante ano do século XVIII, bem como nos títulos que Maria, em Aparecida, jubilosamente ostenta para todo o nosso País, de modo que já há algum tempo aquela cidade do Vale do Paraíba é chamada de “a capital da fé” e o seu belo santuário, carinhosamente, conhecido como “a casa da Mãe”.
Importa dizer que Nossa Senhora, invocada sob diversos títulos, Fátima, Lourdes, Guadalupe, Lujan… e aqui Aparecida, é a mesma Maria, a mulher simples e humilde de Nazaré, escolhida por Deus para ser a digna Mãe de Seu Filho (cf. Lc 1,31) e que, depois, esse mesmo Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor, nos deu por Mãe, na pessoa de João, no alto do Calvário (cf. Jo 19,26-27). De Mãe de Deus feito homem por amor de nós, Maria passa a ser, por desígnio divino, também nossa querida Mãe e entre nós brasileiros com o título de Conceição Aparecida.
Por que falamos de Conceição Aparecida? – A imagem é de Nossa Senhora da Conceição: nós nos referimos à sua conceição ou concepção imaculada no seio de Santana, sua Mãe, que é dogma de fé da Igreja proclamado pelo Papa Pio IX, em 1854, e, em suma, quer dizer o seguinte: em previsão dos méritos de Cristo, salvador de todos os seres humanos, Maria foi, desde a sua conceição, preservada do pecado original. Sim, foi remida por Cristo, mas de um modo singular, pois enquanto nós o fomos depois de sua Paixão e morte de Cruz (redenção propiciatória, se diz em termos teológicos), Maria o foi antes, mas em razão dessa mesma e única redenção, porém aplicada a Ela de modo antecipado.
Chamamo-la de Aparecida, pois essa imagem de Nossa Senhora da Conceição apareceu (foi pescada em dois pedaços) nas águas do Rio Paraíba de forma um tanto misteriosa ou milagrosa, dado que três pescadores, Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso, encarregados de fazer uma grande pesca por ocasião da visita do então Governador de São Paulo e Minas de passagem pela região, nada conseguiam pescar. Já cansados, como os Apóstolos na passagem do Evangelho de Lucas 5, a que nos referimos, revolvem mais uma vez lançar as redes e eis que pegam o corpo de uma imagem de Nossa Senhora, e na segunda lançada recolhem também a cabeça da mesma imagem.
Ora, parece que junto com a pequenina e simples efígie vêm os peixes, de tal forma que o barco quase afundava. Era um sinal de Deus de que algo especial ali ocorrera. O Senhor se manifestara por meio de sua Mãe levando aqueles seus filhos, já cansados do trabalho, à dupla recompensa: ter encontrado o ícone d’Aquela que seria um sinal de unidade para o Brasil (as duas partes se uniram e a imagem assume a cor do povo escravo da épóca) e ter conseguido o resultado almejado na luta pelo alimento material, que seria entregue ao Conde, mas também às suas famílias. Elas viviam desse labor no dia a dia; é a ação divina nas horas mais incertas da vida. Os simbolismos do alimento e do peixe marcam também esse episódio ocorrido entre as regiões de Minas, São Paulo e a capital do Brasil, Rio de Janeiro.
Essa mesma imagem, tempos depois recebeu a coroa e o título de Rainha e Padroeira (ou intercessora) do Brasil. Que significa isso no campo teológico? Ao citar a Bula Ineffabilis Deus, de Pio IX, o Papa Pio XII põe em evidência essa dimensão materna da realeza da Virgem: “Tendo por nós um afeto materno e assumindo os interesses da nossa salvação, Ela estende ao gênero humano inteiro a sua solicitude. Estabelecida pelo Senhor como Rainha do céu e da terra, elevada acima de todos os coros dos Anjos e de toda a hierarquia celeste dos Santos, ao sentar-se à direita do seu único Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, Ela obtém com grande certeza aquilo que pede com as suas súplicas maternas; aquilo que procura, encontra-o e não lhe pode faltar” (AAS 46 [1954] 636-637).
Ora, também entre nós, reconhecendo essa dignidade de Rainha em Maria, sua querida imagem recebeu, em Aparecida, uma coroa especial. “Ela veio das mãos da Princesa Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II, do qual era também sucessora. A Princesa e o marido Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans, o Conde D’Eu, estiveram em Aparecida no dia em que na época se comemorava a festa da santa, 8 de dezembro do ano de 1868. Foi nessa data que ele doou para Nossa Senhora a coroa de 24 quilates, com 300 gramas de ouro e 40 diamantes. Uma lembrança que se guarda da Princesa Isabel é a libertação dos escravos. “Foi ela quem assinou a abolição da escravatura no Brasil em 13 de maio de 1888, quase 20 anos depois de ter dado o presente que a imagem histórica de Aparecida passará a usar de modo constante”. Até hoje é essa coroa da imagem de Aparecida. A Princesa Isabel tem uma fama de muito religiosa e caridosa que permanece em muitos lugares de nosso país.
“A festa da coroação e do título real aconteceu mais tarde, em 8 de setembro de 1904, e tornou-se o dia mais importante e de grandes romarias. A cidade que tinha apenas 2.000 habitantes recebeu a Conferência dos Bispos do Brasil e aprovação do Papa para a festa. Alguns historiadores que gostam de interpretar tudo apenas pelo social dizem que a celebração ganhou destaque porque a Igreja queria mostrar a sua força ao regime republicano instalado em 1869. As autoridades tinham banido da Constituição e da vida pública o nome de Deus e de Nossa Senhora, para enfraquecer a força da fé católica e os sentimentos religiosos do povo. Mas havia outro motivo para a escolha da data: os 50 anos da declaração do dogma da Imaculada Conceição.”
“Controvérsias à parte, interessa preservar o verdadeiro sentido da coroa que a imagem carrega: Maria, Mãe de Jesus, é a cheia de graça e participa do Reino de Deus. Pode muito bem ser nossa Rainha. Para nossa alegria!” (Pe. César Moreira, CSsR, Nossa Senhora Aparecida: Rainha do Brasil. Revista de Aparecida, n. 161, agosto de 2015, p. 31). No entanto, foi proclamada Rainha e Padroeira do Brasil pelo Papa Pio XI em 16 de julho de 1930. “Após o documento de Pio XI, foi organizada uma cerimônia oficial de proclamação da Padroeira do Brasil em 31 de maio de 1931, no Rio de Janeiro, então capital brasileira. Para a ocasião, a imagem foi levada em Romaria de Aparecida até o Rio de Janeiro.” (Portal A12). Um grande momento para o Brasil, um belo momento para a capital brasileira, Rio de Janeiro.
Ela é também nossa Padroeira ou especial intercessora, título exposto com sabedoria pelo teólogo Schillebeeckx, quando escreve: “Em nossa vida, Maria é o coração que dá. O coração que compreende nossas necessidades e que maternalmente as expõe ao Filho, o Deus que continua sendo seu Filho. Ela pode dizer-lhe como em Caná: ‘Eles não têm mais vinho’. Ah, se pudéssemos ouvir o colóquio de Jesus e Maria a nosso respeito, veríamos como estão sempre a par das necessidades. Tudo como em Caná. ‘Eles não têm mais vinho’ vem a ser ‘falta-lhes dinheiro’, ‘estão na pior das misérias’, ‘seu pai está doente e a mãe tem oito crianças para educar’, ‘eles desejam conformar-se com as leis do matrimônio, mas…’ ‘mamãe partiu para uma longa viagem, diz o papai aos filhinhos, e papai não sabe se ela voltará…’” (Pergunte e Responderemos n. 510, dezembro de 2004, p. 563). Acrescentemos hoje a falta de paz, emprego, saúde, alegria e outras situações que machucam as pessoas.
Também o Pe. Francisco Faus, por sua vez, nos ensina em belíssima reflexão sobre as Bodas de Caná (Jo 2,1-11) ser patente “que Maria está ativamente presente no começo do ministério público de Cristo, e está presente de uma forma central, não marginal. Prestemos atenção:é por intercessão d’Ela que Cristo adianta misteriosamente a ‘hora’ de iniciar os seus milagres que serão ‘sinais’ (cf. Jo 6,26) da sua divindade e testemunhos visíveis da veracidade da sua doutrina; é por intercessão d’Ela que este primeiro sinal faz com que os discípulos creiam em Jesus; finalmente, manifesta-se nesse instante a disposição de Jesus de acolher a todos os pedidos que, mesmo em coisas pouco relevantes – ‘não têm vinho’ – cheguem a Ele por intermédio da solicitude da Mãe, que se mostra amorosamente atenta às necessidades espirituais e materiais dos homens, seus filhos”.
“Contemplando esta passagem do Evangelho, a imaginação evoca algumas das cenas mais simples da piedade popular, que por vezes escandalizam os ‘sábios’. Como num filme focalizamos mentalmente os rostos enxutos, requeimados pelo sol do sertão, de um grupo de romeiros que acaba de descer do ônibus na esplanada do Santuário de Aparecida. Os devotos, entrando na basílica, cravam o olhar esperançado no retrato da Mãe, a pequenina imagem de barro escurecido. E, de cada coração, eleva-se uma súplica: pelas necessidades cotidianas, pela saúde, pela volta ao bom caminho do marido, de um filho… ‘Dai-nos a bênção, ó Mãe querida!’. Eles sabem por dentro, têm a certeza, de que – assim como em Caná – a Virgem Santa não deixará de dizer ao Filho: ‘Não têm…’. E o Filho atenderá, o Filho lhe ‘obedecerá’… Não é evidente a sintonia existente entre a sincera devoção popular e o Santo Evangelho?” (Maria, a Mãe de Jesus. S. Paulo: Quadrante, 1987, p. 33-35).
Uma prova disso são os relatos de tantas e tantas graças que as pessoas recebem de Deus pelas mãos maternas dessa poderosa intercessora e padroeira, a Senhora Aparecida, e quem sabe até verdadeiros milagres aconteçam, no sentido rigoroso do termo (precisaria um Comitê de Investigações). Por ora, ficamos com um relato enviado aos Redentoristas por Gisele Aparecida de Sousa Silva, de Pouso Alegre (MG), contando que sempre alimentou o sonho de ser mãe, apesar de ter sofrido três abortos espontâneos. Ficou grávida pela quarta vez, mas se descobriu portadora da Síndrome de Antifosfolípede que causa trombose e pode levar ao aborto. Fez o tratamento necessário durante 34 semanas, porém nele se constatou, por ultrassonografia, a perda de líquido que, se caso continuasse – como continuou –, seria preciso fazer o parto por cesariana. E fizeram, mas a criança, Maria Rita, nasceu, tendo apenas de passar alguns dias na UTI, mas de lá saiu ilesa e está bem (cf. Revista de Aparecida n. 161, p. 47)
Por tudo isso e muito mais, o verdadeiro católico sabe que não erra ao ser chamado a prestar o culto de veneração especial (em linguagem teológica, hiperdulia que difere de doulia, adoração, exclusiva para com Deus) a Nossa Senhora, conforme se lê no Catecismo da Igreja Católica, n. 971: “‘Todas as gerações me chamarão bem-aventurada’ (Lc 1,48): ‘A piedade da Igreja para com a Santíssima Virgem é intrínseca ao culto cristão’ (Marialis Cultus, 56). A Santíssima Virgem ‘é legitimamente honrada com um culto especial pela Igreja. Com efeito, desde remotíssimos tempos, a bem-aventurada Virgem é venerada sob o título de ‘Mãe de Deus’, sob cuja proteção os fiéis se refugiam suplicantes em todos os seus perigos e necessidades. (…) Este culto (…) embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta ao Verbo encarnado e igualmente ao Pai e ao Espírito Santo, mas o favorece poderosamente’ (Lumen Gentium, 66); este culto encontra sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (cf. Sancrossanctum Concilium, 103) e na oração mariana, tal como o Santo Rosário, ‘resumo de todo o Evangelho’ (cf. Marialis Cultus, 42)”.
Possam esses ensinamentos, extraídos de tantas e ricas fontes da Escritura, da Tradição, do Magistério da Igreja, de bons teólogos e escritores piedosos, levar-nos a melhor celebrar a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, pedindo a Ela que alcance de seu Filho e nosso irmão, Jesus Cristo (cf. Gl 4,5), a graça de correspondermos com fidelidade aos apelos de Deus em nossa vida e que nosso País supere, sempre unido, seus momentos difíceis que servem também, dentro dos planos celestes, para mais e mais fortalecer a nossa fé.
*Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião