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Chuvas e amores
-Â Geosmina.
-Â Como?
– Esse característico cheirinho de terra molhada tem o nome de Geosmina e é uma substância produzida por uma inofensiva bactéria chamada Streptomyces coelicolor, que se solta do solo assim que os primeiros pingos caem.
Diante de seu olhar de surpresa pelo inusitado da prosa, ele continua.
– Desculpe interromper seu almoço, mas foi inevitável não observar seu gesto de prazer aspirando esse perfume que costuma nos transportar para quintais de goiabas e dias lentos; para banhos de rios sem vento; para cafunés de avós com tempo. Mas agora trate de comer, antes que a massa esfrie. Só mais uma coisinha: tive a ousadia de pedir ao garçom para lhe servir uma taça de Pinot Noir, que vai combinar tanto com esse molho de funghi, quanto com o aroma dessa chuva ligeira. Mais uma vez peço perdão pela interrupção e bom apetite.
A lua de mel foi na Toscana e lá eles continuaram sentindo todos os cheiros, texturas e prazeres que o início das paixões provoca. Se lambuzaram de sorvetes de pistache em Florença; se deliciaram com alcachofrinhas em restaurantes com vistas de cinema; tropeçaram entorpecidos de Chianti pelas vielas de Siena; e, claro, se amaram loucamente em locandas com jasmins nas janelas como é tradição dos amantes, cujas exclamações que sucedem os “te amo! te amo! te amo!”, ainda vão demorar um tempo até dar lugar à cínica interrogação no final do inevitável “de onde você tirou essa ideia de que eu não te amo mais, meu amor?”.
                                                           Â
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Â
 - SANTA ESMERALDA.
 - COMO?
 – ESSA MÚSICA QUE VOCÊ TÁ DANÇANDO É DE UM ANTIGO GRUPO CHAMADO SANTA ESMERALDA. O NOME DELA É DON’T LET ME BE ….
 – O SOM TÁ MUITO ALTO, VAMOS LÁ FORA TOMAR UMA CERVEJA?
Recostados no carro, decibéis ao longe, finalmente eles conversam em minúsculas. Ela diz que está pensando em fazer aulas de sabre, mas tem dificuldades em encontrar um professor. Ele presume estar diante de uma fã de Luke Skywalker e pensa em dizer alguma frase de efeito sobre a saga, mas começa a chover. Dentro do carro, ela reclina o banco, tira o tênis e fica acompanhando com os dedos dos pés o movimento dos pingos que escorrem por fora do para-brisa. Ele acha aquilo lindamente sexy e os dois riem o sorriso que antecede o primeiro beijo, que vem ao som dos versos de Desengano, dizendo dos delírios loucos que vivenciamos e de quantos anos nos aventuramos querendo voar.
 – Nossa, que música linda. Zeca Baleiro é foda!
Encantado pelo seu gosto musical e pelo desinibido vocabulário antecipando agradáveis possibilidades, ele pensa em lhe dizer que sim, que Baleiro é foda, mas que aquela música é de um pernambucano chamado Lula Côrtes e foi gravada num disco de vinil de 1981, mas a ocasião pede mais atitude e menos #papoquenaotemnadaavernessahora, e aí os dois pulam para o banco traseiro; e aí a chuva aumenta; e aí a canção seguinte toca; e aí através dos vidros embaçados entram clarões dos relâmpagos de dezembro, que, por segundos, lembram as luzes que há pouco ritmavam seu corpo na pista de dança e agora iluminam os seios mais lindos que ele já viu na vida.
por Janio Ferreira Soares