Randolfe Rodrigues: Governo é um espetáculo de incompetência

 Randolfe Rodrigues: Governo é um espetáculo de incompetência

O parlamentar da Rede alertou que medidas bolsonaristas ‘irão aprofundar as desigualdades, criando uma tragédia social de padrões africanos’

Bastaram três meses de governo para restar comprovada a incompetência de Jair Bolsonaro. Os recuos nas projeções de crescimento do PIB e o aumento do desemprego são apenas os primeiros sintomas de um País adoecido e sem rumo, avalia Randolfe Rodrigues, líder da oposição no Senado. Ao visitar a redação de CartaCapital na segunda-feira 15, o parlamentar da Rede fez um balanço dos 100 primeiros dias da gestão bolsonarista e alertou: “A reforma da Previdência, o fim da política de valorização do salário mínimo e as novas diretrizes do Ministério da Economia irão aprofundar as desigualdades, criando uma tragédia social de padrões africanos”.

CartaCapital: Que avaliação o senhor faz dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro?

Randolfe Rodrigues: Em primeiro lugar, é um governo incompetente, que não tem dado resposta alguma para os problemas do povo brasileiro. Bolsonaro se elegeu com o discurso de que iria acabar com a ideologia dos núcleos centrais do governo, mas ele é mais ideológico do que qualquer outro presidente da história. Um dos núcleos de seu governo é integrado pelos ministros das Relações Exteriores, da Educação e dos Direitos Humanos, que baseiam todas as suas decisões nas ideias de um astrólogo sediado na Virgínia, nos EUA, uma espécie de Jim Jones, que de lá emana ordens para o governo.

CC: O senhor se refere a Olavo de Carvalho?

RR: O próprio. Essa turma rebaixou a nossa política de Relações Exteriores, hoje motivo de vergonha para os brasileiros. Nossa política externa era pautada pelo multilateralismo, sempre foi a joia da coroa da apresentação do Brasil mundo afora. Destruíram tudo. Não é nem um alinhamento aos EUA, é a submissão completa a Donald Trump. Combinado a isso, temos as declarações e ações desastradas do governo. Não há precedentes na história de o Brasil estabelecer relações unilaterais com Israel. O Brasil de Oswaldo Aranha propunha a criação de dois Estados, um israelense e outro palestino, convivendo pacificamente. Bolsonaro rompe com a tradição diplomática de buscar a paz no Oriente Médio, prejudicando a nossa própria pauta de exportações. Temos uma relação comercial superavitária com a Liga Árabe e estamos comprometendo isso com essa política desastrada de mudar a sede da embaixada do Brasil para Jerusalém.

CC: E as demais áreas do governo?

RR: A educação é outra tragédia. Acabam de trocar um olavista fake por um olavista de fato, ambos sem nenhuma diretriz concreta para a educação, ambos vendo fantasmas onde não existem. A educação brasileira tem três grandes símbolos: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, figuras reconhecidas internacionalmente. Todos passaram a ser estigmatizados, criminalizados.

CC: Os próprios filhos do presidente não perdem a oportunidade de atacar Freire, tachado de comunista…

RR: Isso é um capítulo à parte. Um grupo de playboys da Zona Sul carioca é quem exerce parte das funções do governo. De um lado, temos aquele núcleo exótico, influenciado por Olavo de Carvalho. De outro, os filhos do presidente. E há ainda o núcleo militar, que não tem poder político, não tem poder de mando. É muito comum vermos os outros dois núcleos atacando os militares. O governo todo é uma coletânea de trapalhadas, um espetáculo de incompetência. Em cem dias, a previsão de crescimento do PIB foi rebaixada três vezes. E isso não foi feito por nenhuma liderança da oposição. Essas revisões para baixo foram feitas pelo mercado. Sem falar dos escândalos. No último fim de semana, uma deputada do partido de Bolsonaro denunciou sofrer ameaça de morte do ministro do Turismo, e o governo não tomou nenhuma providência.

CC: O senhor sempre defendeu uma nova forma de fazer política no Brasil. Mas o desejo popular de renovação política desaguou na eleição de Bolsonaro e seus aliados.

RR: É legítima a vontade do povo de querer renovação política, mas as escolhas feitas foram as piores possíveis. Estes que estão aí não representam uma nova forma de fazer política. O que há de novo em um sujeito que tem 28 anos de atuação parlamentar e, antes, era um líder sindical dos quartéis? O que há de novo em um sujeito que colocou três filhos na política? Isso é o velho patrimonialismo português, é o que tem de mais atrasado na política.

CC: E a nova leva de parlamentares eleitos no embalo da onda bolsonarista? Sabem o que estão fazendo?

RR: Como Bolsonaro só sabe bravatear, não há uma coordenação política. Houve uma tentativa de reativar o velho Centrão, com uma série de negociações iniciadas pelo presidente há duas semanas. O problema é que ninguém tem confiança. Quem deveria liderar essa coordenação é o próprio presidente ou alguém designado por ele, mas ele não tem autoridade para fazer isso.

CC: A reforma da Previdência passa no Congresso?

RR: Hoje, ela está comprometida. Ao contrário do que é dito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, essa reforma não retira um único privilégio, só pune os mais pobres. A maior parte da economia se dará à custa da elevação da idade para a concessão do Benefício por Prestação Continuada ou da aposentadoria rural, uma crueldade com os trabalhadores do campo. Essa reforma mantém os privilégios dos políticos, e posso falar sobre isso com tranquilidade, porque renunciei ao direito à aposentadoria especial ao tomar posse no Senado em 2011. Pois bem, essa aposentadoria dos congressistas só mudará para os futuros eleitos. Para os atuais parlamentares, os privilégios são mantidos. A reforma no setor militar é uma peça de ficção, embute um plano de restruturação de cargos e salários. Ou seja, economiza em uma ponta e gasta na outra, não há nada que contribua para resolver o problema do déficit público. Do 1 trilhão de reais que eles dizem que vão economizar, cerca de 700 bilhões está no lombo dos trabalhadores mais pobres. Não há nada sobre a tributação de heranças, não há uma vírgula sobre os grandes devedores da Previdência Pública.

CC: O texto retira da Constituição os critérios para a concessão de benefícios. Qual é a ameaça?

RR: Isso acaba com a Previdência como a conhecemos. O regime de capitalização, que resultou em suicídios de idosos no Chile, é a destruição da Previdência Pública, baseada na repartição solidária, como foi previsto na Constituição de 1988. Não há sequer clareza do que está sendo proposto, porque a regulamentação será feita depois, por meio de leis complementares.

CC: Em audiência pública na Câmara, Guedes deixou claro que se inspira no modelo chileno…

RR: Então não haverá nenhuma contribuição do empregador, seja ele da iniciativa privada, seja da área pública. Será um sistema de autofinanciamento, que só interessa às instituições financeiras.

CC: Atualmente, 9 em cada 10 chilenos recebem uma aposentadoria inferior a 60% do salário mínimo local.

RR: E sabe como foi possível implantar uma medida tão prejudicial aos trabalhadores? Havia uma ditadura no Chile. Aliás, os parlamentares deveriam condicionar a aprovação dessa reforma de Bolsonaro ao detalhamento de qual modelo de capitalização está sendo proposto. Não dá para passar um cheque em branco para o governo estabelecer nas regras o que bem entender depois.

CC: Qual é o projeto da oposição para a Previdência?

RR: O que proponho aos meus colegas da oposição é o oposto do que Bolsonaro sugeriu. Em vez de restringir o BPC, que beneficia os idosos mais pobres e os portadores de graves deficiências, podemos aumentar a taxação sobre os mais ricos. Em vez de mexer na aposentadoria rural, vamos regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, que já está previsto na Constituição e nunca foi implantado. Vamos estabelecer uma alíquota decente sobre a herança. No Brasil, essa taxação varia de 5% a 8%. Na Europa e nos EUA, gira em torno de 14%, 15%. Podemos fazer, claro, alguns ajustes de idade na Previdência, mas há outras formas de cobrir o déficit público. As dívidas de empresas com o INSS chegam a 250 bilhões de reais. Sabe quantas linhas o ministro Guedes dedicou ao tema em sua proposta de reforma? Nenhuma.

CC: Em um recente relatório, o Banco Mundial indicou forte expansão da pobreza no Brasil. Mais de 7,3 milhões de cidadãos passaram a integrar o panteão dos desvalidos em apenas três anos.

RR: E isso tende a se agravar ainda mais. Nos três primeiros meses deste ano, voltou a aumentar o número de desempregados. São 13 milhões de desocupados. A reforma da Previdência, o fim da política de valorização do salário mínimo e as novas diretrizes do Ministério da Economia irão aprofundar as desigualdades, criando uma tragédia social de padrões africanos.

RODRIGO MARTINS

Da redação de CartaCapital

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