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O alvo deles era Dilma
A carreira política do senador Demóstenes Torres era manipulada por Carlinhos Cachoeira para ampliar seus negócios e se aproximar do Planalto
Como qualquer empresa, as organizações criminosas têm seus planos de sobrevivência e expansão. O grupo do empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, inovou em muita coisa, mas não nesse aspecto. Cachoeira tinha negócios escusos e planos de novos empreendimentos em Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Tocantins, onde contava com a ajuda de políticos e agentes públicos, de acordo com as investigações da Polícia Federal. Mas Cachoeira queria mais. Conversas telefônicas entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (ex-DEM, agora sem partido), gravadas com autorização judicial e obtidas com exclusividade por ÉPOCA (ouça os áudios ao fim desta reportagem), mostram que os dois planejavam se aproximar de alguma forma do Palácio do Planalto. Numa das ligações captadas, Cachoeira orienta Demóstenes a aproveitar um convite para trocar o DEM pelo PMDB, com o propósito de se juntar à base de apoio do governo e se aproximar da presidente, Dilma Rousseff. “E fica bom demais se você for pro PMDB… Ela quer falar com você? A Dilma? A Dilma quer falar com você, não?”, pergunta Cachoeira. Demóstenes responde: “Por debaixo, mas se eu decidir ela fala. Ela quer sentar comigo se eu for mesmo. Não é pra enrolar”. Cachoeira se empolga: “Ah, então vai, uai, fala que vai, ela te chama lá”. Como se fosse um bom subordinado, Demóstenes acata a recomendação.
Quando esse diálogo ocorreu, no final de abril de 2011, Demóstenes estava em plena negociação com caciques do PMDB, como os senadores Renan Calheiros e José Sarney, para mudar de legenda. Um dos maiores opositores do governo – e carrasco de petistas acusados de corrupção – tencionava aderir ao governo do PT. Segundo dirigentes do PMDB, àquela altura a mudança de partido já tinha o aval do Palácio do Planalto. Tudo nos bastidores, porque em público Demóstenes continuava oposicionista. As gravações mostram agora que um dos objetivos da radical troca de lado era estar mais bem situado para ajudar o esquema de Cachoeira.
O plano de Cachoeira de se aproximar do governo deu errado. Demóstenes, ao que tudo indica, ficou com receio de acabar alijado do Congresso. Ele estava convencido de que a cúpula do DEM pediria à Justiça a cassação de seu mandato por infidelidade partidária. A assessoria do Palácio do Planalto afirma que a presidente, Dilma Rousseff, não falou com Demóstenes desde que assumiu a Presidência.
Cachoeira, preso pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, em 29 de fevereiro, está trancado no presídio federal de Mossoró, Rio Grande do Norte. No ano passado, quando ainda em liberdade, ele tinha outro projeto concreto, além da aproximação de Dilma. Sua intenção era conseguir apoio do PMDB para que Demóstenes chegasse um dia a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Seria um ativo inestimável para suas atividades.
De acordo com as gravações, o STF já era alvo de ações de Cachoeira. Na mesma conversa em que fala sobre Dilma, ele pede a Demóstenes para tentar influenciar uma decisão do ministro Luiz Fux, do STF. Estava na mesa de Fux um recurso do ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda, impedido de assumir uma vaga para a qual fora eleito no Senado, por ter sido condenado por “abuso de poder político” na eleição de 2006. “Ele (Miranda) é um cara nosso”, afirma Cachoeira a Demóstenes. Miranda recorreu ao STF, e Demóstenes prometeu atender ao pedido de Cachoeira e ajudar. O ministro Fux afirma não ter sido procurado por Demóstenes. “O senador não falou comigo sobre isso”, disse Fux a ÉPOCA. “Se ele tivesse me procurado, eu o teria recebido, sem nenhum problema.” Em uma primeira decisão, Fux deu ganho de causa a Miranda. Dez dias depois, mudou sua decisão e cassou o registro da candidatura. “Depois que fui informado de que ele havia sido cassado na Justiça Eleitoral por abuso de poder político, e não pela Lei da Ficha Limpa, eu modifiquei a decisão”, afirmou Fux.
Outra gravação revela que, entre uma e outra decisão de Fux, houve tempo para a turma de Cachoeira comemorar a vitória parcial. A conversa ocorreu entre Cachoeira e Cláudio Abreu, diretor agora afastado da Delta Construções, apontado pela polícia como sócio de Cachoeira numa empresa. Num papo cheio de intimidades, um empolgado Abreu chama Cachoeira carinhosamente de “viado” e “desgramado”. Ele o avisa da decisão sobre Miranda. “Chefia, o Marcelo Miranda é senador”, diz Cláudio. “O bom é que eu sei que ele vai ser procurador seu e meu, né?”
Na mesma conversa, Abreu e Cachoeira emendam outro assunto de estratégia político-empresarial no Tocantins. Abreu defende que a parceria com Miranda não represente uma ruptura com o adversário dele, o ex-senador Eduardo Siqueira Campos. Eduardo é secretário de Relações Institucionais no governo chefiado por seu pai, José Wilson Siqueira Campos, conhecido como Siqueirão. Cachoeira questiona se vale a pena continuar apostando em Eduardo Siqueira. “Eduardo também é bom, Carlinhos. Não pode falar mal dele não, cara”, diz Abreu. “Ele mandou dar o negócio pra nós lá: a inspeção veicular do Tocantins.”
Eduardo Siqueira Campos nega ter destinado um contrato para beneficiar empresa ligada a Cachoeira e Abreu. “Não há ainda definição sobre quem executará o serviço de inspeção ambiental em Tocantins”, afirma. Miranda nega ter pedido ajuda a Cachoeira, a Cláudio Abreu ou a Demóstenes para ter sucesso no STF. “Estou surpreso de ver meu nome citado por essas pessoas”, diz ele. “Cachoeira, por exemplo, eu mal conheço, só o cumprimentei uma vez.”
O Palácio do Planalto tem procurado se manter distante do assunto Cachoeira. Assessores da presidente Dilma avaliam que as denúncias podem paralisar o Congresso, com investigações sobre envolvimentos de parlamentares. Até agora, além de Demóstenes, cinco deputados aparecem nas investigações. O Planalto sabe que o governo de Goiás e o do DF serão os mais afetados pelo que ainda pode vir à tona. Governado pelo petista Agnelo Queiroz, o DF é uma preocupação do PT.
Em outra conversa captada pela polícia, Cachoeira e Abreu discutem a possibilidade de a Delta Construções obter um contrato na agência do governo de Brasília responsável pelo transporte público, a DF Trans. Cachoeira queria que a Delta fosse agraciada com um contrato de R$ 60 milhões para atuar no sistema automatizado de cobrança de passagem nos ônibus. Segundo ele, seria possível aumentar o valor do contrato em 30%. Cachoeira pede a Abreu que fale em nome da Delta porque “aí pesa mais”. A Delta afirmou que desconhece qualquer assunto relativo ao DF Trans e afirma não ter contratos com a estatal.
Cachoeira também foi recebido por Jayme Rincón, presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), uma espécie de secretaria responsável pelas obras em Goiás. Rincón foi um dos principais arrecadadores de dinheiro para a campanha eleitoral do governador Marconi Perillo (PSDB) em 2010. Ele é citado no inquérito da PF como alguém que conversou sobre a venda de uma casa com o ex-vereador tucano Wladmir Garcez. Segundo a Polícia Federal, Garcez é um dos principais assessores de Cachoeira.De acordo com Rincón, Cachoeira foi à Agetop acompanhado de Garcez e de um empresário do Tocantins. Segundo a PF, Garcez servia de intermediário nas conversas entre Cachoeira e Perillo e ajudou o governador a vender uma casa num condomínio nobre de Goiânia. Cachoeira morava nessa casa quando foi preso pela PF. Rincón disse a ÉPOCA que conhece Garcez, mas que jamais tratou sobre negociação de qualquer casa com ele.
Diante das crescentes denúncias envolvendo personagens da política de Goiás, Cachoeira começou a provocar baixas no governo goiano. Na terça-feira, Eliane Pinheiro, chefe de gabinete do governador Perillo, pediu para ser exonerada. Dias antes, ÉPOCA revelou que Eliane fora flagrada pela polícia em conversas com Cachoeira. Ela soube por Cachoeira que a PF iria à casa do prefeito de Águas Lindas, Geraldo Messias (PP), e o avisou. Diante do alerta, Messias fugiu.
O senador Demóstenes Torres tem preferido o silêncio. Seu advogado, Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakay, disse que pedirá ao STF a anulação das provas em mãos da PF, especialmente as escutas telefônicas. Segundo Kakay, o STF deveria ter sido comunicado da investigação imediatamente após a descoberta do envolvimento de Demóstenes. Como senador, ele só pode ser investigado com autorização do Supremo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirma que os procedimentos da polícia e as escutas são legais.
Demóstenes foi levado, pela cúpula do DEM, a deixar o partido, na terça-feira. Por muitos anos, ele foi uma importante fonte de credibilidade e votos para a legenda. Agora, Demóstenes tenta retardar seu processo no Conselho de Ética do Senado. Conversou com o presidente da Casa, José Sarney, e com o líder do PMDB, Renan Calheiros. A presidência do conselho está vaga, e ninguém quer a posição. Os três conselheiros do PMDB – Renan Calheiros, Edison Lobão Filho e Romero Jucá – já foram protagonistas de escândalos. “Me deixa fora dessa!”, diz Lobão Filho. “Me botaram lá no conselho contra a minha vontade.”
A partir da investigação da PF é possível inferir que Cachoeira tinha uma estratégia ambiciosa. A crise financeira de 2008 abriu oportunidades nos Estados Unidos – e Cachoeira não as desperdiçou. Amigos afirmam que Cachoeira comprou um cassino instalado num iate de luxo, de 200 pés, o Casino Princesa. De acordo com a PF, Cachoeira e o empresário Mauro Sebben negociavam a compra de outro barco cassino, o Big Easy. No auge da crise, ofereceram uma ninharia. Os antigos donos haviam investido cerca de US$ 40 milhões no barco, mas não conseguiram pagar as contas. Numa conversa gravada pela PF em novembro de 2008, Sebben diz que o “velho”, sócio dele e de Cachoeira nos EUA, propôs que fizessem uma oferta de US$ 2 milhões. “É excelente. Mas não podemos pagar mais do que dois”, afirma Cachoeira. Na mesma época, numa conversa, Cachoeira e Sebben avaliam a compra de um contrato da empresa Multimedia Games com a loteria de Nova York. Sebben calcula que o faturamento anual seria de US$ 10 milhões. Os planos de Cachoeira não tinham limites – financeiros, geográficos ou políticos. Revista EPOCA