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Jornalistas repudiam atitude da repórter Mirella Cunha em carta aberta
Band diz que atitude de jornalista ‘fere o código de ética’ da emissora e que tomará ‘medidas disciplinares’
Um grupo de jornalistas divulgou uma carta se posicionando contra o jornalismo policial sensacionalista na Bahia. A iniciativa se deu após repercussão nacional da entrevista sobre um acusado de estupro, feita pela repórter Mirella Cunha, da Band Bahia (veja vídeo acima), há duas semanas. O caso indignou tanto profissionais do meio quanto telespectadores e internautas, que começaram a protestar a partir desta terça-feira (22) nas redes sociais. Acusado de roubo e estupro, o rapaz, só identificado como Paulo Sérgio pela matéria, assume que houve assalto, mas garante, chegando até a chorar, que nunca violentou mulher alguma em sua vida. Apática às lágrimas de Paulo, a repórter insiste em dizer que, se não houve estupro, houve vontade. “Você não estuprou, mas queria estuprar”, afirmou Mirella, que por diversas vezes debochou do entrevistado e mostrou-se contrária à versão relatada pelo acusado.
A jornalista sofreu uma série de retaliações de pessoas indignadas com sua abordagem nas redes sociais. Dentre outras designações, Mirella foi chamada de “otária, “racista”, “antiética”, “proto-loira”, “ridícula”, “nojenta”, “sensacionalista” e “tosca”. “Essa Mirella Cunha é uma vergonha para o Jornalismo Baiano“, chegou a postar um usuário do Twitter. No microblog, a hashtag “#SensacionalismoForaDoAr” tem começado a ganhar força. Às 11h desta quarta-feira (23), um grupo promete realizar um “tuitaço” para levar o assunto ao Trending Topics.
Confira na íntegra a carta pública de um grupo de jornalistas e leitores destinada ao governador Jaques Wagner, a órgãos competentes e à toda sociedade baiana.
“Carta aberta de jornalistas sobre abusos de programas policialescos na Bahia
‘O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.’
(Gregório de Mattos e Guerra)
Ao governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner.
À Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia.
Ao Ministério Público do Estado da Bahia.
À Defensoria Pública do Estado da Bahia.
À Sociedade Baiana.
A reportagem “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência”, produzida pelo programa “Brasil Urgente Bahia” e reprisada nacionalmente na emissora Band, provoca a indignação dos jornalistas abaixo-assinados e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região metropolitana de Salvador.
A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana”. Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal.
Sob a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à sanha de jornalistas ou pseudojornalistas de microfone à mão, em escandalosa parceria com agentes policiais, que permitem interrogatórios ilegais e autoritários, como o de que foi vítima o acusado de estupro Paulo Sérgio, escarnecido por não saber o que é um exame de próstata, o que deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a própria mídia, as peças essenciais para a educação do povo brasileiro.
Deve-se lembrar também que pelo artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, “é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. O direito à liberdade de expressão não se sobrepõe ao direito que qualquer cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que seja suspeito de ter cometido um crime.
O jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, sob a justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou de que o crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor de enxovalhos. O preso tem direito também de querer falar com jornalistas, se esta for sua vontade. Cabe apenas ao jornalista inquirir. Não cabem pré-julgamentos, chacotas e ostentação lamentável de um suposto saber superior, nem acusações feitas aos gritos.
É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de seus anunciantes – e nesta última categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira, se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas. O governo do Estado precisa se manifestar para pôr fim às arbitrariedades; e punir seus agentes que não respeitam a integridade dos presos.
Pedimos ainda uma ação do Ministério Público da Bahia, que fez diversos Termos de Ajustamento de Conduta para diminuir as arbitrariedades dos programas popularescos, mas, hoje, silencia sobre os constantes abusos cometidos contra presos e moradores das periferias da capital baiana.
Há uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, com muitos dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira pública, sendo portanto uma ferramenta de exploração popular com claros fins político-eleitorais.
Cabe, por fim, à Defensoria Pública, acompanhar de perto o caso de Paulo Sérgio, previamente julgado por parcela da mídia como ‘estuprador’, e certificar-se da sua integridade física. A integridade moral já está arranhada.
Salvador, 22 de maio de 2012.”
* Atualizando: Mais de 500 jornalistas já assinaram a carta pública
BN- por Fernanda Fahel