Trabalho, suor e cansaço, por Marli Gonçalves

 Trabalho, suor e cansaço, por Marli Gonçalves

O negócio tá feio, ficando feio, todo mundo miudinho por aí, preocupado com o seu. Vendo que ele está faltando ou pode faltar e muito, igual em outros países. Mas vai ser dia dele e tudo vai parar nesse mundo hoje tão diferente que, para juntar gente não há mais ideal: oferecem-se prêmios – como carro importado – e shows de música duvidosa

Pelas barbas brancas de Marx! Depressão forte ele teria agora em ver que sua chamada “Proletários de todo o mundo, uni-vos!” vem sendo comprada com sorteios, acenos mágicos e lideranças absolutamente discutíveis e e desunidas, a ponto de haver demarcação de espaços – cada qual no seu quadrado, ops, bairro. Cada Central faz a sua comemoração, ou bebemorações, como já ouvi tanta gente contando o que rola nessas aglomerações. Tá igual o Dia da Mulher que poucos sabem que é data para relembrar quantas morreram na luta pela liberdade, não para instigar homem nenhum. O Dia Internacional do Trabalho, de confraternização das classes trabalhadoras, 1º de Maio, marca data em que movimentos iniciaram lutas que já tentavam instituir oito horas diárias, em jornadas mais humanas, em condições dignas e com direitos e deveres garantidos. Muita gente morreu nesse caminho.

Agora, não. Legislações são baixadas como avalanches de neve, pouco importando suas reais consequências. As centrais oferecem carros importados – este ano até 19 Hyundais, pela Força do personalista Paulinho que põe a tal até em seu próprio nome, sempre candidato, sempre aderindo, sempre jogando. Que força é essa, digam-me.

Sou do tempo em que 1º de Maio era o único dia do ano, por exemplo, em que a Kopenhagen fechava. Nada de comprar chocolates. Que líderes – e foram muitos – como esses que estão aí eram chamados simplesmente de pelegos. Dia no qual os trabalhadores festejavam um direito fundamental, ao lazer.

Sou do tempo que construiu um líder barbudo que ainda anda por aí, que já teve de se explicar muito quando logo no começo dos anos 80 apareceu tomando uisque e fumando charuto com milionários na casa mais luxuosa de São Paulo à época, o Gallery. Hoje ele não aparece nem para explicar suas relações com gente que nos tira dinheiro na cara dura, em cargos públicos. Ou o caso de sua amada Rose. Hoje ele festeja que vai escrever em jornal norte-americano onde exige, acreditem, em contrato, que a tradução seja o mais literal possível de seu pensamento, como se isso fosse possível. Menas, do you understand? Menas!

Trabalho faz muita coisa: enobrece, edifica, dignifica, cansa, faz crescer, e é o que paga as contas. Costumo dizer – talvez por absoluta falta de fé nisso – para quem vive na porta da lotérica: “Não trabalha não para você ver!”

Trabalho é força da física. O que se faz para passar de ano e obter diploma. E tem o trabalho que se faz – ou se contrata – para se dar bem, ou para fazer o mal a alguém, que tem gente que se dá ao trabalho de não conseguindo subir buscar derrubar o outro.

Muita coisa dá trabalho. Crianças, casa, bichos. Outras aposentam: doenças, idade, acidentes. Tanta coisa é trabalho, que se a gente observa fica pasmo em ver como conseguem. E dali, com dignidade, tiram seu sustento, seja embaixo de lama catando caranguejos, nas ruas durante horas correndo atrás do lixo que fazemos, seja pendurado em alguma obra que sempre nos lembre Chico Buarque. …” E tropeçou no céu como se ouvisse música/ E flutuou no ar como se fosse sábado/E se acabou no chão feito um pacote tímido/ Agonizou no meio do passeio náufrago/ Morreu na contramão atrapalhando o público…

Todo dia é dia de trabalho, de criar novos trabalhos, de trocar de trabalho,de tentar achar um que faça o difícil efeito completo proposto por Buda: “Sua tarefa é descobrir o seu trabalho e, então, com todo o coração, dedicar-se a ele”. Lembre disso quando vir o garçom resmungando, o porteiro com cara de poucos amigos, a empregada bufando.

E como sempre ouvi há uma forma popular, meio caipira, de entender que dele não dá para escapar. A única coisa que não trabalha é “santo de puteiro”, que ainda ganha vela para fechar os olhos diante do que vê.

São Paulo, terra do não para, não para, 2013

Marli Gonçalves é jornalista – – Ainda bem que gosta muito do que faz, porque também tinha pensado em ser psicóloga, mas desistiu na primeira aula de laboratório onde matavam um cachorro e falavam de um tal condicionamento dos ratinhos, fazendo o que mandavam seguidamente. Igual à antológica cena de Chaplin, em Tempos Modernos, apertando parafusos até enlouquecer. “Trabalha, trabalha, afrodescendente”…

Músicas para acompanhar:

http://youtu.be/QJvBM7Md9kI

http://youtu.be/zv8-6tf7IOg

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