Noite de cão em Paulo Afonso

 Noite de cão em Paulo Afonso

A coisa aconteceu há meses. Perdeu prioridade, mas continua na memória que foi feita para isto. A dor na cavidade abdominal era persistente, não parava e não recedia com a ingestão de paliativos. Era madrugada e tive que ir ao hospital. Dirigi, com a mulher ao lado, devagar. É assombroso ir ao hospital. Desde criança, fica na alma a dor, as agulhadas, o cheiro de hospital. Fui ao hospital como vamos à oficina consertar o carro. Lugar de consertar o corpo é no hospital.hospital nair1

A dor resistia. Insistia em me assustar. Havia chegado a hora? Pode ser pessimismo, falta de fé ou o que o valha. Mas a hora um dia vai chegar e aquela poderia ser a hora. Assustado – e com dor – procurei o hospital da Chesf. É o mais perto da minha casa. Eu pertenço aos quadros da companhia, tenho um plano de saúde e aposentadoria complementar que se chama Fachesf que gerencia o PAP (Programa de Assistência da Companhia).

Chamaram o médico de plantão. Não me lembro mais da sua face. A aparência [da face] é outra coisa. Concluí, ao vê-lo (ainda podia ver e avaliar, embora a dor), que estava dormindo. Pareceu-me taciturno, por assim dizer. Quem é acordado no meio do sono pesado para prestar serviço de assistência médica ao seu próximo, no caso um paciente com uma dor renitente no pé do ventre, tem que estar taciturno. E vamos dizer apenas taciturno. Se os médicos de plantão não devem dormir no período de plantão para não ficar taciturnos, isso fica para o debate dos leitores.

Aplicada uma injeção na veia (ou artéria) da minha mão, a dor passou. Sabedor que era certamente um paliativo, que fatalmente voltaria, e ainda sabedor que eu poderia estar acometido de alguma coisa parecida com apendicite – que pode matar em pouco tempo – ponderei se algum tipo de investigação não poderia ser feita. A resposta é que o funcionário encarregado, ou o serviço de radiografias (o nome que retenho na cabeça é radiografia), só chegaria lá pelo raiar do sol. Voltei pra casa sabendo do risco que corria. Ainda perguntei ao médico: “E se a dor voltar, chamo o SAMU?”. “ Sim, chame o SAMU”, foi a resposta. Ainda hoje, a minha esposa morre de rir com a minha intenção de chamar o SAMU.

Esperei o nascer do sol (eu poderia morrer se estivesse com um quadro progressivo de infecção), e corri – eu e a dor – para um médico [competente] particular de nome singular. Vou também dizer, fora de hora, que ele não me cobrou a consulta. A desconfiança foi logo de apendicite. “Se prepare que você pode ser operado logo mais”, foi o que me disse. Desta vez, foi, de imediato, o que o médico me disse. Esta foi a sua postura, comprometido que estava com a minha segurança. Pode ser que tenha sido a despreocupação do ignorante, mas confesso que torci pela apendicite. A minha esperança é que a remoção do meu apêndice me livrasse dos meus problemas de digestão.

Vieram os exames na clínica particular (lá estava eu, funcionário de uma grande e responsável empresa, participante da Fachesf e do PAP) realizados rapidamente e com eficiência. Não era apendicite. O médico respirou aliviado. A dor eventualmente passou com medicamentos, eu sobrevivi, por enquanto, e o episódio, que agora compartilho com os meus atentos leitores, caiu no esquecimento.

Eu poderia ter morrido. Mas não morri. Poderia ter sido atendido em um serviço de emergência que me tivesse provido assistência que mantém a vida. Mas não fui atendido. Poderia ter sido submetido a exames radiológicos que pudessem capacitar o médico a um diagnóstico rápido e eficiente. Não fui, e sobrevivi. Porém sobrevivi. Apesar de tudo, sobrevivi.

Não morri. Desta vez, não morri.nery

Francisco Nery Júnior

2 Comments

  • Paulo Afonso Notícias – PAN Eu levei meu filho de 7 anos ao HNAS, em uma madrugada agora no mes de dezembro, com febre de 39, e o médico de plantão não era pediatra e o atendimento foi uma negação. Resumindo, ele mandou aplicar a famosa injeção para passar a dor e disse que era apenas uma “VIROSE” e disse que poderia ir para casa. No dia seguinte uma farmacêutica, após ouvir meu relato disse que meu filho provavelmente estava com infecção intestinal e medicou um remédio e orientou água de coco, simples, em seguida ele já começou a se recuperar e passou a febre. Eu pergunto? o que eu posso dizer sobre esse médico? Irresponsável ou omisso?

  • Tremo de medo de adoeçer aqui em nossa cidade e, rezo todos os dias pela minha família, pois o HNAS que já foi referência na região, encontra-se sucateado e com médicos que parecem ter saído de uma faculdade de faz-de-conta, estamos perdidos, senhor Deus, salva-nos!

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