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CNJ: defesa de Eliana Calmon não convence opositores
Em relatório enviado ao STF, corregedora afirma que 3 mil juízes e servidores movimentaram de forma ‘atípica’ 857 milhões de reais. Supremo irá delimitar competências do conselho – que faz controle externo do Judiciário
A temperatura na cúpula do Poder Judiciário voltou a subir depois que a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, afirmou, em documento encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta-feira, que 3.426 magistrados e servidores de tribunais movimentaram 855,7 milhões de reais em operações financeiras “atípicas” entre 2000 e 2010 – 274,9 milhões em dinheiro vivo.
Eliana Calmon está no centro de uma crise que incendiou o Judiciário. Ela comanda a Corregedoria Nacional de Justiça – principal vitrine do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – e bateu de frente com associações de magistrados e com o próprio presidente do conselho e do Supremo, Cezar Peluso, ao mandar passar um pente-fino na vida financeira de juízes, desembargadores e servidores de tribunais. A acusação: quebra indevida e generalizada de seus sigilos fiscal e bancário. O trabalho da corregedoria e os limites de atuação do CNJ estão em cheque, já que a discussão foi parar no STF em duas ações que entram em pauta este ano.
O documento enviado ao Supremo, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, integra a defesa da corregedora em uma das ações. Ela afirma que não quebrou o sigilo de ninguém porque não apontou nomes e CPFs de servidores e juízes na investigação. Diz ainda que não teve acesso a extratos bancários, operações de crédito e pagamentos realizados pelos funcionários.
A ação da corregedora foi mais um capítulo na guerra que tem como pano de fundo o CNJ. E que está longe de terminar. No Supremo, ministros que defendem publicamente a diminuição de poderes do conselho não mudaram de opinião após a apresentação da defesa. Para Marco Aurélio Mello, houve, sim, quebra de sigilo. “Qualquer elemento que se passe relativo à movimentação bancária implica a quebra do sigilo”, afirma. Para Marco Aurélio, não se pode punir ninguém “a ferro e fogo”, sem observação dos devidos procedimentos legais. “Como fica a cláusula que diz que só se pode quebrar o sigilo mediante ordem judicial e no caso concreto?”, indaga.
Procurada pelo site de VEJA, Eliana Calmon disse, por meio de um assessor, que não iria se manifestar sobre as críticas e que mantém a posição apresentada ao STF. Ela decretou ordem de “silêncio” aos sete juízes auxiliares da corregedoria. E também recomendou a eles que não compareçam ao evento organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em defesa do CNJ. “Não faz o menor sentido nós irmos”, disse um juiz ao site de VEJA sob a condição de anonimato. O ato será no próximo dia 31, em Brasília.
Um dos principais opositores da corregedora, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, disse, em entrevista ao site de VEJA, que a defesa de Eliana Calmon não enfraquece o argumento de que houve quebra de sigilo. Calandra também desqualificou o relatório do Coaf. Ele é um dos proponentes da ação que discutirá se dados sigilosos de órgãos como a Receita, a Fazenda ou o Banco Central, podem ser compartilhados com outros órgãos públicos, como o CNJ.
Dados – De acordo com o relatório do Coaf, dos 233 titulares de contas com registro de operações atípicas com dinheiro vivo, apenas três movimentaram 122,9 milhões de reais, o que corresponde a 46% do total. Seriam elas dois servidores de carreira do Poder Judiciário e um dirigente superior da Administração Pública.
Também chamou a atenção do Coaf o fato deles terem movimentado 116,5 milhões de reais em 2008. Inicialmente, o Coaf havia informado que dois dos autores da movimentação suspeita estavam vinculadas ao Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM-SP). Na sexta-feira, a informação foi corrigida, e o órgão informou que se tratam de pessoas ligadas ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A terceira pessoa está relacionada com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
Das oito pessoas com os maiores volumes transacionados em espécie, três seriam juízes, um desembargador, um aposentado, um empresário e dois titulares de cartórios. Eles movimentaram 16,7 milhões de reais. As ocorrências de operações atípicas se concentraram nos estados de São Paulo (169,7 milhões de reais), Rio de Janeiro (149,3 milhões de reais) e Bahia (145,4 milhões de reais).
Os técnicos do Coaf dizem, no relatório, que a os dados foram obtidos a pedido da Corregedoria do CNJ, que encaminhou ao órgão o nome e o CPF de todos os membros e servidores de tribunais estaduais, federais, trabalhistas e militares. Alguns dos servidores apontados no relatório, segundo o Coaf, já tinham sido alvo de investigação do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) e da Polícia Federal (PF).
O TJ-BA disse desconhecer quem seria o magistrado ou servidor que teve movimentação financeira considerada “atípica”, e que a corregedoria não comunicou ao órgão quem seria o responsável pelas transações. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi procurado por meio de sua assessoria de imprensa, mas não enviou resposta até o fechamento desta reportagem. “Que venham os novos dados. Serão apurados pelo tribunal”, disse o presidente do TJ-SP, desembargador Ivan Sartori, sobre o caso.
Ações – Em dezembro, duas liminares concedidas por ministros do Supremo limitaram os poderes do conselho, órgão responsável pelo controle externo do Judiciário. Agora, o plenário dará a palavra final sobre o imbróglio.
O Supremo vai julgar duas ações – a expectativa que logo, já em fevereiro. Uma delas, mais ampla, diz respeito ao poder disciplinar do CNJ. Reportagem do site de VEJA mostrou que há dois grupos bem delineados no tribunal, o que praticamente dividiria a corte. Os votos de Cármen Lúcia e Rosa Weber permanecem uma incógnita. E não será surpresa se a novata Rosa Weber, a primeira a votar, pedir vista. A segunda ação – que pôs Eliana Calmon sob fogo cruzado – definirá se o CNJ pode ter acesso a dados sigilosos. Os sigilos bancário e fiscal entrarão em discussão. E mais uma vez o tema divide opiniões.
Um dos defensores, no Supremo, da atuação robusta do CNJ classifica o órgão como “a mão prolongada” da Suprema Corte – aproxima o STF do conjunto do Judiciário e, ao mesmo tempo, só o tribunal pode rever uma decisão do CNJ. “O papel do Supremo é ora podar, ora adubar o CNJ”, diz. Em fevereiro, ele e os outros homens de toga que integram a mais alta corte do país dirão se o momento é de poda ou de adubo.veja.abri.com.br