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Guido Mantega: “Dilma vai manter o número de ministérios”
O ministro da Fazenda descarta uma mudança radical no primeiro escalão, critica quem diz que o governo gasta demais – e jura que esteve na churrascaria onde foi concebida a Carta ao Povo Brasileiro
Dezembro foi magnânimo com o ministro Guido Mantega no plano profissional. Ele comemorou o cumprimento de quase todos os objetivos em sua área. Celebrou especialmente a manutenção de uma invencibilidade: em seis anos como ministro da Fazenda, a inflação ficou sempre dentro da meta (em 2011, como uma bola de tênis que resvala na linha, ficou exatamente no teto, 6,5%). Mantega também festejou quando o Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios, uma empresa de consultoria britânica, anunciou que o Produto Interno Bruto do Brasil ultrapassara o da Inglaterra e se tornara o sexto do mundo. Ao longo de um mês de boas notícias na seara política, Mantega deu duas entrevistas a ÉPOCA: a primeira no dia 2, no gabinete da Presidência da República, em São Paulo, e a segunda no dia 29, no Ministério da Fazenda, em Brasília. A seguir, os principais trechos.
ÉPOCA – Qual é seu balanço do primeiro ano do governo?
Guido Mantega – Atravessamos esse mar revolto da crise internacional com relativa tranquilidade e atingimos nossos objetivos de política econômica e social. Implantamos no país um novo modelo de desenvolvimento, fortemente gerador de empregos. Mesmo com a economia crescendo menos que em 2010, criamos mais de 2 milhões de empregos formais. No momento em que o mundo está mergulhado no desemprego, com mais de 100 milhões de desempregados no mundo, é um grande feito. É claro que a crise mundial está aí, e nos atrapalhou.
ÉPOCA – Em que, especificamente?
Mantega – O setor industrial cresceu pouco em 2011.
ÉPOCA – Cresceu pouco e chiou muito.
Mantega – Exato. Porque é o mais atingido pela crise. Aumentou a concorrência, e produtos estrangeiros entraram com força no Brasil. A manufatura brasileira teve mais dificuldade para exportar.
ÉPOCA – Faz tempo que o governo vem errando em relação à indústria. O senhor faz alguma autocrítica?
Mantega – Não tem autocrítica. É uma situação internacional, difícil para todo mundo. O que fizemos foi criar algumas linhas de defesa, botar a Receita Federal para fiscalizar mais, criar um departamento de inteligência.
ÉPOCA – Outra crítica recorrente é que o governo gasta muito, e pessimamente.
Mantega – Parece um chavão, que não tem fundamento na realidade.
ÉPOCA – Não?
Mantega – Não. Neste ano, cortamos gastos de custeio. Estamos fazendo mais com menos recursos. O que temos de separar do custeio são os programas sociais. O Bolsa Família me parece um recurso muito bem gasto. Agora, no custeio da máquina, apertamos muito. Se você pegar viagens e passagens de todos os ministérios, cortamos 50% em diárias e passagens. E já vínhamos cortando nos anos anteriores. Limitamos a compra de aluguéis de prédios novos, material permanente, carros e mais não sei quê. Os principais gastos do governo, os gastos com pessoal, estão contidos. Não foram aprovados aumentos no Congresso nem para o Judiciário, nem para o Legislativo, nem para o Executivo.
ÉPOCA – O senhor não acha que o número de ministérios e de cargos de confiança é um absurdo?
Mantega – Há ministérios que respondem a questões sociais importantes; por exemplo, o Ministério da Igualdade Racial, que olha principalmente para a questão dos negros, ou o da Mulher, da condição feminina. São ministérios pequenos.
ÉPOCA – O senhor é favorável a um enxugamento?
Mantega – Não sou favorável. Esses ministérios gastam muito pouco e têm um diálogo social importante com esses segmentos da população. Dão representatividade.
ÉPOCA – O senhor sente que a presidente Dilma quer reduzir o número de ministérios?
Mantega – A presidenta Dilma vai manter o número de ministérios.
ÉPOCA – Por que o senhor aumentou os impostos para os carros importados?
Mantega – Para proteger a indústria, a produção nacional, o emprego nacional. Para dar uma defesa, porque estávamos sendo invadidos.
ÉPOCA – Há quem diga que não havia invasão nenhuma, risco, absolutamente nada disso, a não ser o forte lobby das montadoras.
Mantega – Posso te convencer do contrário. Na indústria automobilística, a importação estava crescendo 40%. No setor têxtil, 40%.
ÉPOCA – Mas, no setor automobilístico, o que eles estavam ganhando estava num padrão internacional bastante razoável…
Mantega – Mas não é o que estavam ganhando. Não estou preocupado com isso. Quero que eles ganhem cada vez menos, que ganhem no volume, não numa quantidade pequena. Essa é uma filosofia: todo aumento de demanda era atendido por importação. Significa zero de crescimento da produção brasileira.
ÉPOCA – Essa medida não incentiva a preguiça da indústria brasileira, que não melhora a qualidade do carro, não investe em melhoria tecnológica? Não prejudica o consumidor, que quer um carro melhor, que as montadoras daqui não têm condição de oferecer?
Mantega – Não, porque temos aqui 15 montadoras. Quase todas as mais importantes estão instaladas no Brasil. Elas concorrem entre si. Olha a evolução do preço dos carros novos no Brasil. É abaixo da inflação. Eles estão reduzindo o preço pelo menos nos últimos cinco anos.
ÉPOCA – O que se diz é que essa medida só atendeu a um lobby da Anfavea e dos sindicatos, sem nenhuma explicação do ponto de vista técnico.
Mantega – Isso é bobagem. Por que estimulamos a indústria automobilística? Ela representa 23% do PIB industrial. É o setor que mais gera o efeito multiplicador na economia. Estimulamos também construção civil, eletroeletrônico, móveis, têxtil, praticamente os setores mais importantes. Que história de lobby é essa? Não entendo. Temos uma câmara criada em 2008, com 40 entidades de classe. Estão Abimaq, Abinee, Abit, Anfavea, todos lá, todos com o mesmo direito de chorar. Não é lobby. Eu ouço o setor. Agora, em 2008, não precisei conversar com a indústria automobilística. Somos economistas profissionais faz tempo. Você olha a economia e sabe o setor que gera mais dinamismo, puxa a demanda, traz o efeito multiplicador.
ÉPOCA – Se houve tantos ganhos para o país, por que então há tantas críticas ao governo?
Mantega – Talvez haja mais entusiasmo nas críticas ao governo petista, porque o PT vem dos trabalhadores, tem ligação com o sindicalismo, e as elites nunca gostaram muito do Lula. Tem também algum preconceito contra o desenvolvimentismo. Passamos por um período de muita ortodoxia. Tudo o que não era ortodoxia tinha de ser criticado. E nunca fomos ortodoxos. Eu, particularmente, sempre mantive a mesma linha.
“No noticiário sobre a campanha de 2002, apareço muito mais que o Palocci. Eu é que falava com os empresários”ÉPOCA – Uma vez o senhor chegou a dizer que jamais cometeria um ato ortodoxo.
Mantega – Não me lembro. Mas não podemos confundir. Precisa saber bem o que é desenvolvimentismo e o que é ortodoxia. Ortodoxia é aquela política burra de fazer ajuste fiscal recessivo, em que você derruba a economia. Ou pegar uma crise e fazer uma política para derrubar mais ainda. É claro que, em algumas situações, você não tem saída, vamos reconhecer.
ÉPOCA – O que o senhor pode dizer sobre dois ortodoxos de carteirinha, seus amigos Antonio Palocci e Henrique Meirelles? Ficou famoso seu “Viu, Meirelles?” na festa de lançamento do PAC.
Mantega – É uma característica minha. Antes de vir para o governo, eu era professor, dava aula. E não fazia aquelas aulas monótonas, em que todo mundo começa a bocejar. Gosto de fazer uma piada. Não perdia uma brincadeira. Então, toques de humor são necessários para que a vida seja mais leve.
ÉPOCA – E o Palocci?
Mantega – Não acho que o Palocci seja um ortodoxo.
ÉPOCA – Não?
Mantega – Não.
ÉPOCA – Mas o senhor não acha que ele fez uma política ortodoxa?
Mantega – Veja bem: quando começou o governo, era necessário fazer aquela política. Era uma política de ajuste, nem vou dizer que era ortodoxa. Quando começamos o governo, em 2003, eu era ministro do Planejamento. Quem fazia os cortes era o Ministério do Planejamento. Acertava com a Fazenda, vendo o tamanho da encrenca, depois praticávamos. Fui totalmente favorável àquela política. Naquele primeiro ano de governo, não tínhamos escolha. Seja ortodoxo, seja heterodoxo, seja desenvolvimentista, tinha de fazer aquilo.
ÉPOCA – O senhor estava plenamente de acordo com aquilo?
Mantega – Plenamente de acordo. Naquele ano, tinha de fazer redução de despesa, havia um surto inflacionário que vinha do ano anterior, 2002, a inflação, anualizada em dezembro, estava em 25%. Havia uma desconfiança em relação ao novo governo do presidente popular, sindicalista. Tínhamos de restabelecer a confiança, mostrar que seríamos mais sérios até que nossos antecessores na política fiscal. O Palocci veio com essa missão, de fazer essa transição e depois promover o crescimento.
ÉPOCA – Relendo o livro do ministro Palocci, Sobre formigas e cigarras, que aliás o senhor já disse que é uma porcaria…
Mantega – Eu disse onde?
ÉPOCA – A um colega seu…
Mantega – Eu não me lembro disso, não (risos).
ÉPOCA – Mas seu colega se lembra. No livro do ministro Palocci, o senhor, a rigor, não existe. Não participa de nada relevante. Só aparece em três páginas. Não existe na campanha e está absolutamente por fora da fundamentalíssima Carta ao Povo Brasileiro.
Mantega – E eu participei da elaboração da Carta aos Brasileiros. E participei intensamente da campanha.
ÉPOCA – Por que o ministro Palocci é tão econômico em relação ao senhor?
Mantega – Você tem de perguntar a ele, não a mim. Não fui eu que escrevi o livro.
ÉPOCA – O senhor leu o livro?
Mantega – Eu olhei, em diagonal.
“Em 2002, o Palocci fez uma conexão com o setor empresarial e financeiro que de fato eu não tinha. Ele era diferente de mim”ÉPOCA – E tem algum motivo para o senhor mal aparecer no livro?
Mantega – Você tem de perguntar a ele. Como é que vou responder, se foi ele quem escreveu? Na campanha de 2002 fui muito atuante. Nos relatos da imprensa, apareço muito mais que o Palocci. Ele não deu uma palestra em 2002. Eu era coordenador do grupo de economia. O Palocci chegou depois que morreu aquele menino, o Celso Daniel. Ele chegou por agosto, setembro, não me recordo. Até então eu era o economista mais conhecido da campanha. O presidente Lula me chamava nas reuniões, reunia empresários e tudo mais e eu é que ia lá, falava aos empresários. Não me lembro do Palocci.
ÉPOCA – Mas isso até a Carta ao Povo Brasileiro. O senhor não foi contra ela?
Mantega – Eu não era contra. Participei da elaboração da Carta aos Brasileiros. Foi feita onde? Deixa eu me lembrar. Foi feita fora de São Paulo. Fizemos uma reunião, deixa eu me lembrar…
ÉPOCA – Em Ribeirão Preto, segundo o livro do Palocci, numa churrascaria que estava fechada.
Mantega – Exatamente.
ÉPOCA – No relato do Palocci, o senhor não aparece nessa reunião. Ele cita todos os que estavam, mas não o senhor.
Mantega – Mas eu estava lá.
ÉPOCA – Jura, ministro?
Mantega – Juro. Absolutamente. Eu estava na churrascaria.
ÉPOCA – Então a omissão de seu nome no livro do Palocci foi
deliberada?
Mantega – Acho que é uma questão de memória.
ÉPOCA – Parece óbvio que não é.
Mantega – Eu não era contra a Carta, participei e eu estava na churrascaria.
ÉPOCA – Ministro, o senhor estava à esquerda das posições defendidas na ocasião, não?
Mantega – Eu estava mais à esquerda que o Palocci, exatamente.
ÉPOCA – Mas agora o senhor está dizendo o contrário…
Mantega – Estamos falando em 2002, vamos deixar claro. Em 2002, o Palocci fez uma conexão com o setor empresarial e financeiro, que de fato eu não tinha, porque eu era mais crítico. Em 1999, 2000, 2001, fiz várias críticas. No ano da eleição, eu era marcadamente um crítico de certas coisas, por exemplo, do ministro da Fazenda, do presidente do Banco Central. Eu tinha posições. O Palocci, ele não tinha nem posição. Naquela época, ele não tinha atuação na área econômica. Em 2002, entrou com uma linha mais de aliança com o setor financeiro e tudo mais. Portanto, era diferente de mim. Depois que começou o governo, não havia nenhuma divergência quanto à estratégia a implantar. Tinha de fazer corte de despesa, tinha de combater a inflação, tinha de consertar a economia. Posteriormente, pode ser que surgissem divergências em relação a ele.
ÉPOCA – Por que o ministro da Fazenda não foi o senhor, que desde 1992 era o braço direito do Lula nas questões econômicas?
Mantega – Porque foi privilegiada uma solução de compromisso que dava mais segurança ao setor principalmente financeiro e empresarial. E o Palocci representava mais isso.
“Quero que eles (o setor automotivo) ganhem cada vez menos, que ganhem no volume, não na quantidade pequena”ÉPOCA – E sua escolha para substituir o ministro Palocci, como foi?
Mantega – Bom, o ministro Palocci estava sofrendo uma crise. Havia problemas com ele, discussões, aquele negócio ali de Brasília, da casa, não sei o quê. A nomeação para ministro da Fazenda foi absolutamente surpresa. O Lula não me consultou, não falou comigo na véspera. Mas é como ele age. Era uma segunda-feira, eu estava despachando no BNDES com o David Feffer. Aí recebo um telefonema da chefe da Casa Civil, a Dilma, dizendo para eu ir direto a Brasília, da forma mais reservada possível. E fui para lá. Cheguei umas 3 horas da tarde, aí ela me falou: “Olha, o presidente vai te convidar para ser ministro, estamos esperando o Palocci assinar a carta de demissão”.
ÉPOCA – O senhor esperava, desconfiava?
Mantega – Desconfiei de alguma coisa porque o Palocci vinha sofrendo um desgaste. Quando cheguei, o presidente falou: “Você vai assumir” (risos). O presidente não convidava, ele determinava. Não perguntou se eu queria ou se eu não queria. Finalmente, 6, 6 e meia da tarde, o Palocci redigiu a carta e aí fui dar uma entrevista coletiva.
ÉPOCA – Mas o senhor disse, pelo menos, “tudo bem, presidente, eu aceito”?
Mantega – Nem respondi, porque ele falou: “Você vai assumir o Ministério da Fazenda”.
ÉPOCA – Mas o senhor poderia ter dito “não quero, obrigado”.
Mantega – Poderia. Mas não faria muito sentido, porque era uma necessidade que ele tinha. Você não pode deixar um país sem ministro da Fazenda.
ÉPOCA – Nos bastidores, dizem que o senhor ajudou naquela crise contra o Palocci. Que podia ter feito alguma coisa e não fez…
Mantega – Me diga o que é que eu podia ter feito? Eu estava totalmente por fora, no BNDES, não tinha nada a ver com tudo aquilo que aconteceu. Como é que eu poderia ter ajudado?
ÉPOCA – E em relação ao Meirelles? Vocês trombaram publicamente várias vezes. Ele era um adversário seu, e houve um momento em que o senhor lutou para que ele saísse do governo. O Lula convidou até o (economista Luiz Gonzaga) Belluzzo.
Mantega – Há política fiscal e política monetária. A política monetária sempre tende a ser mais conservadora. O Banco Central é mais conservador, assim como a Fazenda é mais conservadora que os outros ministérios. Posso ter divergido do Meirelles em relação a alguns momentos em que ele subiu a taxa. Ele tinha autonomia e fazia o que achava correto, discutia com o presidente. Não vou negar que houve pontos de vista diferentes. Mas era totalmente civilizado.
ÉPOCA – O senhor não gostava do trânsito direto que o Meirelles tinha com o presidente Lula, sem passar pelo senhor?
Mantega – Não é verdade.
ÉPOCA – E o convite do Lula ao professor Belluzzo?
Mantega – Não tenho o direito de falar sobre isso, porque é o presidente Lula que tem de falar.
ÉPOCA – Mas o senhor fez peso na balança para que o professor Belluzzo substituísse o Meirelles?
Mantega – Eu sou muito leve (risos).
ÉPOCA – A que setores e a que interesses o senhor desagradou como ministro?
Mantega – Em 2007, quando caiu a CPMF, aumentamos a contribuição sobre o lucro líquido dos bancos. Você acha que os bancos gostaram? Você acha que eles puseram um retrato meu na sala da presidência? Até colocaram, mas para jogar setas em cima do ministro da Fazenda (risos).
ÉPOCA – Não vamos exagerar, ministro. Os bancos estão felicíssimos. Nunca foram tão felizes.
Mantega – Exatamente. Tem gente que chora de barriga cheia.
“Você acha que os banqueiros puseram um retrato meu na parede? Só se for para jogar setas no ministro da Fazenda”ÉPOCA – Mas eles nem estão chorando…
Mantega – Mas quando aumentamos a contribuição sobre o lucro líquido, eles passaram a pagar mais que o setor produtivo como um todo. Evidentemente, não devem ter gostado. Quando começou esse ano, alguns segmentos do mercado financeiro tinham uma reação que nem era publicada. Podem ter dito impropérios em relação a mim.
ÉPOCA – Última pergunta: quem é o senhor?
Mantega – Quem sou eu?
ÉPOCA – O senhor continua sendo um enigma.
Mantega – Um enigma? Você conhece minha vida melhor do que eu.
ÉPOCA – Mas como o senhor se define?
Mantega – Eu me defino com tudo isso que falamos aqui durante várias horas. Sou um militante político que acredita na transformação social do país e que teve a chance de pôr em prática uma parte das suas crenças. Sou uma pessoa privilegiada, afortunada, porque pude praticar aquilo que pensava desde a juventude. É claro que aggiornato, tudo isso atualizado e adaptado, porque a gente pensava muita bobagem também, na juventude.