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O TSE diante da História
O abuso do poder político e econômico que elegeu Dilma Rousseff foi o mesmo que elegeu o vice, Michel Temer. Os 54 milhões de votos foram para os dois
O Tribunal Superior Eleitoral viverá na próxima terça-feira o que realmente se pode chamar de dia histórico: julgará quatro ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. Depois de todos os fatos ilícitos que vieram a público, alguns nos últimos meses, depois de todas as provas, depois de todos os depoimentos, não resta dúvida de que a nossa democracia foi lesada, que a chapa, agora em julgamento, foi eleita graças a um esquema bilionário de financiamento oriundo de propina. O jogo democrático não foi limpo. Ganhou a eleição quem a disputou de forma ilegal, corroendo o que de fundamental há no processo democrático: igualdade de oportunidades. O dia será histórico porque a Justiça tem uma tripla função: garantir que a lei vale para todos, punir quem não respeita a lei e, assim, educar, garantindo que tamanha barbaridade não volte a ocorrer.
Entre os que estão mais preocupados com aqueles que apoiam do que com a democracia ou o Brasil, há defensores de toda sorte de teses que resultem na absolvição da chapa.
Há os que defendem que a ação sequer deve ser julgada, porque teria perdido o objeto quando a presidente Dilma foi afastada da Presidência por crime de responsabilidade. Essa tese não faz sentido: o abuso do poder político e econômico que a elegeu foi o mesmo que elegeu também o seu vice. Os 54 milhões de votos foram para os dois. Não faz sentido que, tendo sido afastada por outros motivos a presidente, o seu vice, que com ela foi eleito com os mesmos abusos, seja poupado.
Numa variante dessa tese, está aquela que diz que o vice deve ser poupado porque é alheio ao que na campanha fez o cabeça da chapa, o PT e Dilma. Não é: o abuso de poder econômico e político que elegeu um elegeu igualmente o outro, tendo o vice participado ou não do esquema fraudulento graças ao qual os 54 milhões de votos de ambos foram conseguidos. Não é à toa que a jurisprudência do Tribunal consagre o princípio da indivisibilidade da chapa.
Há ainda os que afirmam que a comprovação das ilicitudes cometidas na campanha só veio a público depois que as ações foram protocoladas e, por esse motivo, não pode ser levada em conta. O argumento, meramente processual, devia fazer corar de vergonha os seus proponentes. É como se eles dissessem que agora sabemos que a chapa se elegeu de forma ilegal, mas, como seus oponentes não apontaram essa ilegalidade no momento em que deram entrada nas ações, nada pode ser feito.
Não. Porque uma das ações impetradas leva o elucidativo nome de Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Ela se presta justamente a, no curso da ação, investigar quaisquer fatos novos que surjam. E a lei que a regulamenta é clara em seu artigo 23: “O Tribunal formará a sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”. A lei é sempre sábia.
O próprio tribunal já deu sinais de que pensa assim quando a então relatora de uma das ações Maria Theresa de Assis Moura mandou arquivá-la porque considerou que o PSDB adicionou novos elementos fora do prazo legal. Com os votos sensatos dos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, por 5 votos a 2, o Tribunal mandou seguir o processo. Se acreditasse que novos fatos não poderiam ser agregados, teria concordado com o arquivamento.
Depois disso, vieram as delações da Odebrecht, as delações do marqueteiro do PT João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, que não somente confessaram o que de errado fizeram na campanha, como anexaram provas. O ministro relator, Herman Benjamin, com desassombro, inquiriu-os e anexou as provas, cumprindo o seu dever.
Muitos temem pelo solavanco econômico que uma cassação da chapa possa vir a provocar. Mas juízes, ansiamos todos, julgam com base nos fatos e aplicam a lei, não levando em conta nenhum efeito de suas ações senão a confirmação de que vivemos sob o Império da Lei. Não há do que ter medo. A Constituição Cidadã de 1988 dá todos os caminhos, e estes devem ser seguidos com serenidade para que os brasileiros possam viver com a certeza de que somos um país sério, em que erros trazem consequências, em que não há impunidade, em que a aplicação da lei resolve problemas, jamais os cria.
As reformas, tão essenciais aos brasileiros, têm mais chances de passar num Brasil adulto, que não empurra para debaixo do tapete os erros cometidos, mas os enfrenta, do que num país do jeitinho, dos atalhos, das teses que não se sustentam.
Este jornal está sendo coerente com o que pensa desde o início da crise. Quando a Câmara aprovou o impeachment da presidente Dilma, nosso editorial previa: “A votação final do impeachment, no Senado, independentemente do resultado, não será o desfecho da crise. Deve-se ser realista. Em qualquer hipótese, ela deverá persistir. Pode-se lamentar esse prognóstico, mas não temê-lo. Porque a Constituição continuará a indicar o caminho para a superação dos males que afligem os brasileiros.”
Não há nenhuma dúvida de que esse julgamento nada tem a ver com as acusações que agora pesam contra o presidente Michel Temer. Trata-se de julgar pecados anteriores. Mas, sabemos todos, na construção de suas convicções, os juízes podem e devem levar em conta as condutas impróprias continuadas dos implicados.
Desde que as ações ingressaram no tribunal, já lá se vão dois anos e meio. É tempo de julgar. Pedidos de vistas são normais, mas protelações em processo tão longo e urgente, não. O Brasil tem de ultrapassar essa etapa. Este jornal não tem dúvida de que todos os ministros do TSE, julgando a favor ou contra, agirão segundo as suas convicções, tendo em mente as leis, a nossa democracia. E cumprindo o dever que a nação lhes outorgou.
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