Dez anos após obras, São Francisco tem uma cidade com esgoto 100% tratado

 Dez anos após obras, São Francisco tem uma cidade com esgoto 100% tratado

Passados quase 11 anos do início de suas obras, a transposição do São Francisco está praticamente concluída, teve obras entregues no mês passado, mas o rio segue longe de sua revitalização prometida e recebe diariamente toneladas de esgoto jogados por quase todas as cidades no seu percurso entre Minas Gerais e Alagoas. Segundo o CBHSF (Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco), dos 507 municípios que compõem a bacia, apenas um, Lagoa da Prata (MG), tem 100% do seu esgoto tratado. O município, por sinal, é apontado como modelo pelo comitê. Lagoa da Prata (MG) é único município no caminho do rio a ter todo o esgoto processado

Logo quando o projeto foi lançado, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que para cada real investido na obra, outro seria investido na revitalização. “Nós queremos revitalizar, recuperar as margens, as matas ciliares, fazer saneamento básico nas cidades para que não joguem dejetos no São Francisco, e começamos fazendo isso”, disse Lula, em 2009, durante o programa “Café com o Presidente”, em outubro de 2009. Em agosto de 2016, o governo Michel Temer lançou um novo plano de revitalização, prometendo investir R$ 10 bilhões em obras até 2026. Procurada pela reportagem, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba) informou que já implantou 89 sistemas de esgotamento sanitário, “que contemplam coleta e tratamento dos efluentes sanitários, em municípios integrantes da bacia hidrográfica do rio São Francisco, contudo não tem informação de quantos municípios tem tratamento de esgoto total.” Para este ano, a companhia informou ter aprovados “aproximadamente R$ 38 milhões na LOA (Lei Orçamentária Anual) 2020” para esse tipo de obras.

Esgoto sem tratamento é regra, não exceção, diz comitê Mas as poucas obras de fato implementadas de saneamento não evitam uma contaminação diária do maior rio 100% nacional. “Esse retorno que prometeram ao São Francisco não foi dado. Infelizmente o programa de revitalização não foi feito. No saneamento, lançamos esgoto in natura no rio em quase todas as cidades”, afirma Maciel Oliveira, vice-presidente do CBHSF. Para a revitalização do rio, o comitê elaborou um plano com várias intervenções previstas em saneamento e recuperação hidroambiental. “Precisaríamos, para resolver os problemas, de R$ 30 bilhões para a bacia”, revela Oliveira, contando que o comitê teve um encontro com a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) para tratar de projetos no tratamento e espera contar com apoio do órgão federal. Com a falta de participação do poder público, o comitê bancou com recursos próprios mais de 100 planos municipais de saneamento (premissa para poder receber recursos na área). “Sabemos que havia deficiência técnica e financeira, e decidimos custear para ajudar os municípios a receber as obras”, conta. Para Oliveira, o comitê não espera soluções advindas por conta de um novo marco legal de saneamento. “O marco legal pode ajudar em algumas situações, mas depende muito da maneira como vai ser implementado. Pode demorar muitos anos, e precisamos retomar investimentos para tratar o esgoto e deixar de ter um rio poluído, causando problema de saúde pública”, alega. A Codevasf afirma haver “previsão orçamentária de recursos na ordem R$ 540 milhões destinada a ações de saneamento (abastecimento de água e esgotamento sanitário) em municípios integrantes das bacias hidrográficas.

Trecho final do rio acumula poluição do trajeto inteiro O problema da poluição no rio está justamente em seu trecho final, entre Sergipe e Alagoas, que recebe todo o esgoto despejado ao longo do seu trajeto. Ao todo, 59 cidades ficam às margens do rio, sendo 16 delas entre Alagoas e Sergipe, onde está o chamado baixo São Francisco. Em Piaçabuçu (AL), onde está a foz do rio, análises da qualidade da água apontam um índice superior a 8 NMP/ml de coliformes fecais (NMP quer dizer “número mais provável”). O ideal é que esse valor seja de no máximo 1, segundo resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

“Esse trecho representa apenas 5% da bacia. Mas parte dos dejetos que são retidos nas nove hidrelétricas que temos ao longo do rio é liberada quando tem o aumento de vazão. Os esgotos destas cidades rio acima se juntam com os do rio abaixo”, explica o pesquisador e professor Emerson Soares, do Centro de Ciências Agrárias da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e que coordena a expedição anual feita no São Francisco para avaliar os problemas da região. Segundo as análises, todas as cidades do baixo São Francisco apresentam problemas com níveis acima de coliformes fecais. “Mas quanto mais descemos, vemos que mais contaminado fica. No estuário do São Francisco temos vários problemas”, explica.

Dejetos contaminam peixes e podem prejudicar pessoas À beira do rio, diz Soares, vivem mais de um milhão de pessoas. “Além de saneamento básico precário, tem também o problema causado pelos agrotóxicos, ou dos metais pesados na água, efeitos da mineração em Minas e na Bahia”, conta. Ainda segundo o pesquisador, os efeitos negativos na água se refletem especialmente no estresse dos organismos que vivem no rio. “Os peixes são os primeiros a terem contato, mas eles se contaminam e passam para o homem. A gente observou na histologia desses organismos pesquisados, danos ao estômago, intestino, brânquias e fígado desses animais, e vai prejudicar não só eles, mas tornar impróprio para consumo humano”, pontua.

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

Imagem: Divulgação

Deixe uma Resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *